domingo, março 27, 2011

Julieta Venegas


Porque no supiste entender a mi corazón?
Lo que había en él, porque no?
Tuviste el valor de ver quien soy
Porque no escuchas lo que está tan cerca de ti?
Sólo el ruido de afuera y yo
Que estoy a un lado desaparezco para ti
No voy a llorar y decir que no merezco esto
Porque es probable que lo merezco
Pero no lo quiero
Por eso Me voy
Que lástima pero adiós
Me despido de ti y me voy
Que lástima pero adiós
Me despido de ti


(Me Voy - Julieta Venegas)

Julieta é um nome que carrega consigo um apelo mundial. Nenhuma Julieta nasce anônima ou desconhecida. Nenhuma tem o direito de apartar de sua vida o amor, a tragédia e o lirismo. Se o mundo não fosse tão grande e tão cheio de pessoas esquisitas diria que todas Julietas sem nenhuma exceção já deveriam nascer destinadas a viver um grande amor. Não existiriam Julietas solteironas, celibatárias, feministas ou adeptas de qualquer ideologia anti-amor; essas morreriam no parto antes de exercer seu direito de escolha que as privassem de executar seu destino de protagonistas na tragédia maior do teatro do mundo.

Julieta Venegas surgiu assim para mim. Protegida pelo desconhecimento, mas não pelo anonimato. Como uma personagem de Shakespeare que cantasse de forma adocicada palavras de amor em espanhol, caiu em meu player um álbum seu.
Não conhecia. Não sabia que era Californiana criada no México. Que tinha uma irmã gêmea. Que era filha de fotógrafos. Que gravou com Marisa Monte e Lenine.  Que cursou teatro. Que às vezes envereda para o pop rock. Que já venceu o Grammy latino. Que já tinha um álbum MTV Unplugged. Que já vendeu mais de 5 milhões de discos pelo mundo.

E na verdade nada disso importava. De sua música e voz surgiram impressões próprias de Julietas. Extremadas.

Às vezes acho que fugiria com ela para Tihuana em um lampejo de loucura. Isso se uma mulher linda de 40 anos como ela me aceitasse é claro.

Outras vezes acho que ela nada mais é do que uma artista medíocre, com um repertório meloso e uma voz afinada. Nem tão bonita assim e mais de dez anos mais velha que eu...

Às vezes acho que quando sua boca se abre jorra lirismo, poesia e amor. Outras vezes acho que saem músicas bregas e datadas.

Não sei, mas fiquei cismado com esta Julieta. Mais do que com muitas outras.

Faz parte. Todos temos um lado que se impressiona fácil quando uma mulher canta palavras de amor. Mulheres se emocionam com as palavras, homens não resistem a situação...

Algo tão antigo quanto a lenda das sereias que arrastavam para o fundo do mar(e para a morte) marinheiros encantados com suas vozes e beleza.

Dias sim, dias nem tanto escuto Julieta Venegas. Hoje decidi escrever sobre ela e postar aqui. Amanhã posso estar arrependido de dar a ela este espaço e querer deletar o post.

Relações passionais como uma dose de cicuta e um punhal de amor no peito. Coisas de Julietas.




Na Natureza Selvagem


“Morrendo longe da civilização, Um Andarilho Registrou o Terror

Anchorage, 12 de setembro(AP) – No domingo passado, um jovem andarilho, detido por um ferimento, foi encontrado morto num acampamento remoto no interior do Alasca. Ninguém sabe ao certo quem era ele. Mas seu diário e dois bilhetes encontrados no acampamento contam uma história angustiante de seus esforços desesperados e progressivamente inúteis para sobreviver...”

( The New York Times, 13 de Setembro de 1992)

“S.O.S. Preciso de sua ajuda. Estou ferido, quase morto e fraco demais para sair daqui. Estou sozinho, isto não é piada. Em nome de Deus, por favor fique para me salvar. Estou catando frutas por perto e devo voltar esta tarde obrigado.” (Bilhete encontrado com o corpo de McCandless)

“Tive uma vida feliz e agradeço a Deus. Adeus e que Deus abençoe a todos” (Nota de despedida escrita por McCandless no verso do poema “Homens Sábios em Suas Horas Ruins” de Robinson Jeffers)

Poucas notícias chamaram mais a atenção, em 1992, do que a história do jovem Christopher MacCandless.

Encontrado no meio do Alaska por caçadores de alce, morto provavelmente de inanição, seu corpo pesava pouco mais de 30 quilos e chocou a opinião pública nos Estados Unidos.

Proveniente de uma família rica, MacCandles terminou a faculdade como um aluno distinto, com altas notas em disciplinas humanas e sociais, e desapareceu. Doou sua poupança para entidades beneficentes, abandonou seu automóvel, queimou o dinheiro que tinha na carteira, adotou o nome de Alex e passou a vagar às margens da sociedade.

Leitor de Tolstói e Jack London, de personalidade amigável e equilibrada, os dois anos vividos na “estrada” revelam um jovem em uma busca perturbadora por uma forma verídica de autoconhecimento, através da negação completa dos bens materiais e de tudo que é desnecessário para a vida, estabelece para si uma luta constante contra os próprios medos e contra o improvável.

A vida resumida à viagens de carona, a uma mochila, e ao mínimo de conforto possível. No caminho o trabalho temporário fornece o dinheiro apenas para seguir em frente, sem nenhum apego ou acúmulo desnecessário. O convívio com marginalizados, excluídos, hippies, vagabundos e trabalhadores braçais substitui a vida universitária promissora.
Como objetivo maior: viver da terra. Enfrentar a natureza selvagem.

MacCandless não foi capaz de sobreviver à própria história, e seus dois últimos anos de vida foram reconstruídos pelo repórter Jon Krakauer que ficou fascinado com o idealismo puro e inconseqüente do jovem. Em 2007, Sean Penn dirigiu com brilhantismo um filme fiel aos relatos poderosos, com uma narrativa ágil e bem construída, a produção tem o mérito de ser em sua essência tão perturbadora quanto o livro.

Alex ou Chris se tornou assim um mito entre os viajantes, entre os aventureiros, entre todos que aprovam ou desaprovam as atitudes da juventude levadas às últimas conseqüências.
Herói ou vilão a discussão sobre a curta trajetória de aventura de MacCandless serviu como um alerta à muitas coisas.

Deixou para a sociedade um debate cáustico sobre nosso modo de vida, mostrou para todos os aventureiros que a natureza pode ser impiedosa quando quer e que qualquer atitude, por mais heróica que seja, pode ser apenas um suicídio estúpido se não for planejada com o devido cuidado.

Idolatrado por alguns pela sua coragem e condenado por outros pelo idealismo inconseqüente, acredito que Chris atingiu seu maior propósito: fazer a diferença, deixar o seu recado.

Chegam a ser comoventes as anotações que restaram junto ao corpo encontrado na carcaça de ônibus no meio do Alaska. Imaginar suas privações e talvez a mais dolorosa das mortes, definhando de fome e sede, causam um desconforto quase indecifrável.

A realidade, porém, é dura. Chris era um jovem brilhante, mas assim como todos tinha suas diferenças e conflitos com seus pais; corajoso e determinado, parece ter planejado mais sua ideologia irredutível contra os argumentos de todos que o desencorajaram a prosseguir, do que sua viajem épica.

A última pessoa a ver o jovem com vida, o eletricista Jim Gallien, afirmou à Krakauer que o equipamento de Chris não passava de 12 quilos, sua espingarda era pequena e nada poderia fazer contra um urso, suas botas não eram impermeáveis e que ele não possuía
sequer um mapa detalhado da região.

Apesar das inúmeras provas de que a incursão ao Alaska foi um fracasso pelas inúmeras falhas de planejamento de seu protagonista a revolta surgida contra a morte prematura de MacCandless é na verdade frustrante. Após conhecermos sua trajetória todos gostaríamos de vê-lo retornando triunfante para contar a própria saga.

Estúpido ou genial, idealista ou inconseqüente, a história de “Na Natureza Selvagem” é uma aula sobre a vida, sobre momentos e pensamentos que todos nós tivemos um dia.



O auto-retrato encontrado com MacCandless, que encerra o filme de Sean Penn, mostra um aventureiro sorridente apesar da fome, apesar das privações e das dificuldades, mostrando estar ciente de suas escolhas e conseqüências. Seu olhar não tem um pingo de remorso ou arrependimento.

 “Eu queria movimento e não um curso calmo de existência. Queria excitação e perigo e a oportunidade de sacrificar-me por meu amor.”Sentia em mim uma superabundância de energia que não encontrava escoadouro na vida tranqüila”.

Como na citação sublinhada no livro de Tolstói, “Felicidade Familiar”, encontrado no local da morte de Chris, percebemos que nada poderíamos fazer para impedir um jovem determinado a encontrar sua forma de felicidade mesmo que isso lhe custasse a vida. A força natural mais exuberante da história é a determinação.


(Na foto, Chris durante a infância com seus pais e sua irmã)

Cartola


“Alguns, como Cartola, são trigo de qualidade especial. Servem de alimento constante. A gente fica sentindo e pensamenteando sempre o gosto dessa comida. O nobre, o simples, não direi o divino, mas humano Cartola, que se apaixonou pelo samba e fez do samba o mensageiro de sua alma delicada. O som calou-se, e "fui à vida", como ele gosta de dizer, isto é, à obrigação daquele dia. Mas levava uma companhia, uma amizade de espírito, o jeito de Cartola botar lirismo a sua vida, os seus amores, o seu sentimento do mundo, esse moinho, e da poesia, essa iluminação.

(Carlos Drummond de Andrade)

Não imagino como falar sobre Cartola sem recorrer à fluidez de um dos seus; gênios das artes, párias, convivas, mestres cada qual em sua universidade. Peço a licença poética ao poeta e utilizo sua veia de cronista para abrir este texto.

Carlos Drummond de Andrade escreveu uma bela crônica sobre Cartola para o Jornal do Brasil, texto publicado em 27 de novembro de 1980, três dias antes da morte do sambista que não resistindo a um câncer no estômago nos deixava aos 72 anos de idade.

Ler Cartola nas palavras de Drummond é para mim um deleite. Fã do escritor e do músico é impossível refrear a sensação de que a autoridade de Drummond é necessária para falar da grandeza de Cartola.

Angenor de Oliveira viveu uma vida errática e apesar de iniciar suas composições na década de 30, somente nos anos 70 conseguiu atingir sua fase áurea trazendo à luz “O Mundo é um Moinho”(no fim deste texto), “As Rosas Não falam”, “Acontece”, “Cordas de Aço” entre outras pérolas da música popular brasileira.
Em sua simplicidade, a música era para ele fluída, natural, sangue nas veias e ar nos pulmões, quase abdicou do sucesso(não da genialidade) ao desaparecer, literalmente, do cenário musical. Certamente entre um cafezinho e outro, entre uma cachaça e um cigarro continuava a criar sambas no seu pinho enquanto tirava o sustento de trabalhos braçais mal remunerados. Uma coisa é certa, existe um buraco negro na década de 50, aonde Cartola havia sido tragado, e como a Mangueira deve ter sido mais triste!

Em alguns momentos me sinto orgulhoso de minha profissão. Sempre tem um jornalista curioso em algum lugar e dizem que foi Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, o sujeito feliz que pode se orgulhar de ter feito um bem imenso à música nacional ao encontrar e convencer Cartola, então lavador de carros, a voltar a compor e gravar.

Não sei da instrução de Cartola, se teve ensino médio ou fundamental correspondente a sua época, só sei que ler suas letras é como ler Drummond, um exercício de deleite e regozijo.

Todos que escrevem por hobby ou por paixão, por necessidade ou carreira sabem como é complexo o uso das palavras, como às vezes nos foge vernáculo e vocábulo e nada parece encaixar para tornar um bom texto em um texto especial. Imagine ter esse dom de forma espontânea como Garrincha driblar, Elis cantar ou Muhamed Ali lutar...Super-heróis com super poderes.

Segui palavras vivas que buscam meticulosamente seus lugares para despertarem emoções, assim é para mim, ler Cartola e ler Drummond. Pessoas capazes de imaginarem o mundo como moinhos, abismos cavados com os pés, rosas que roubam o perfume da mulher amada(no caso sua musa Dona Zica), de olhar o sentimento e pensar: “Acontece!”. Marcar um dia no futuro para abandonar a mulher impossível de rejeitar no dia de hoje.

Minha sincera homenagem aos 30 anos sem Cartola celebrados em novembro de 2010 e assim como abri este texto recorrendo ao brilhantismo de uma crônica de Drummond encerro com um pequeno trecho de uma de suas poesias mais famosas e que imediatamente me recordo sempre que imagino como se sentia Cartola com seu violão no colo: 

“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo...”

Não Canso de ouvir...
O Mundo é um Moinho

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés




quarta-feira, março 23, 2011

O Sonho de A Origem e a Realidade de Matrix.





E se o que estivéssemos vivendo não fosse real?

Um sonho difícil de acordar onde as leis da física são manipuláveis e o conceito de tempo e espaço se confunde com o que somos e para onde vamos. Dúvidas filosóficas, metafísicas, espirituais e um flerte com a morte real ou imaginária, a vida física palpável com nervos e fibras se esvaindo em sangue ou a morte potencial da alma, do cérebro, da sanidade...

A dor apenas um impulso elétrico independe do dano real causado em nossa estrutura, uma falha de software e não(necessariamente) de hardware , diria o aficionado em computadores.

Gostaria de estar falando de “A Origem” novo filme do genial e competente diretor Christopher Nolan, mas sinto estar falando de Matrix. Infelizmente estou falando de ambos.

Um elenco afinado, incluindo um Leonardo Di Caprio que segura a onda como protagonista, após se graduar na "escola Scorcese de artes dramáticas", consegue direcionar o público sem rodeios para o que interessa, a história. Contando ainda com uma câmera impecável, edição de som e imagem soberbas, fotografia inspirada e um final tão previsível quanto desnorteador... Sem dúvida não estamos falando aqui de qualquer coisa, de mero entretenimento, mas de 140 minutos que valem cada décimo de segundo.

Filme para raros paladares, sendo que muitos não conseguirão entender quase nada do roteiro construído em minúcias sem a preocupação de voltar atrás para explicar o que aconteceu. Fique atento porque cada detalhe é necessário para não perder a fina linha de raciocínio que liga o início ao fim do filme de uma forma soberba, quase imperceptível.

O que falta então para “A Origem”? Com o perdão do trocadilho: originalidade.
A densidade da história não faz com que ela seja inédita. Que pena.

E estamos falando de um ótimo roteiro. Imagine uma realidade aonde dormir pode ser perigoso. “Ladrões” de sonhos que invadem o seu sono podem roubar informações valiosas enquanto seu subconsciente luta para defender informações que você considera confidencial. Existem “arquitetos” que criam as projeções, as cidades em forma de labirinto que serão “povoadas” pelos sonhadores. Existem totens, objetos individuais que são a garantia de cada um para distinguir a realidade do sonho; e claro o desafio que dá nome ao filme. “Inception”, porcamente traduzido como “A Origem”, seria na realidade o ato de “plantar” uma idéia em uma mente para que ela se desenvolva e de origem(agora sim) a um pensamento. Roubar uma idéia é simples, criar uma não. Imagine tudo isso dividido em camadas, sonhos dentro de sonhos, em uma grande confusão sobre o que é real e o que não é.

Por mais que tudo isso pareça grego, quando assistimos vêm, quase que automaticamente, uma sensação de familiaridade... Lembrei de “Cidade das Sombras”, Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças” mas é inegável que estamos falando novamente de “Matrix”, talvez o maior expoente moderno de cinema e pesadelo para qualquer roteirista que tenta escrever algo original sobre ficção científica. 

Não tem como evitar comparações. Podem tentar numerar diferenças de um a mil, mas o que salta aos olhos são as semelhanças de um dez que sejam. 

O Sonho de A Origem não é diferente o suficiente da realidade projetada na Matrix.
Do movimento de câmera ao roteiro. Por um motivo ou outro existem sonhos, nos sonhos pessoas que “escalam” paredes e trocam mais balas que em uma realidade normal, existe ação, mas ela é apenas a cereja do bolo, existe suspense, reviravoltas, e o questionamento recorrente se a transição entre real e imaginário já aconteceu ou está por vir. Mais do mesmo.

Não quero que entendam mal. Existe muita originalidade no longa de Nolan e também competência na sua direção de cena e sobretudo de atores. Para citar apenas um dos pontos fortes, perceba o amadurecimento característico de sua câmera capaz de transformar fantasia em cinema adulto, como fez antes com “Batman Begins”, “Cavaleiro das Trevas”e “O Grande Truque”. Em “A Origem” não existe bem e mal, nem certo ou errado. Por mais que as situações sejam absurdas as personagens são absolutamente críveis, com desvios de caráter, egoísmo e reações que combinam mais com vilões que com mocinhos. Não existem exageros estéticos, nem malabarismos desnecessários.

Sem apontar este ou aquele como superior fica aqui a certeza de estarmos falando sobre dois filmes extraordinários.

É claro que a idéia original sempre vai levar o crédito e talvez seja isso que impeça “A Origem” de atingir todo seu potencial como a obra cinematográfica que é, mas não representa.
Não adianta voarmos hoje em aviões supersônicos, o primeiro foi o 14 Bis e seu inventor foi Santos Dumont. A história não perdoa, ela registra.

Confesso que torço para que novos filmes apareçam trazendo propostas e roteiros acachapantes, com cheirinho de carro novo, mas aprendi que não é todo dia. Vi surgir “Matrix” e de lá para cá já são 12 anos de citações e comparações quando o assunto é ficção científica.

Quem conseguiu entender “A Origem” com certeza fará parte de uma pequena minoria que, assim como eu, sofre por dentro imaginando como seria lendário se sua estréia fosse em 1998 e não em 2010.


Matrix

Um breve devaneio sobre Filosofia e a Virtualidade Real
Há mais de dez anos atrás o cinema receberia em suas telas um filme que revolucionaria a história da ficção científica de uma forma toda particular. Diferente das bigas de Ben-Hur e das lágrimas naufragantes de Titanic, Matrix chegou de forma anônima as telonas com a proposta de retratar de forma grandiosa, não o passado, mas o futuro. Sucesso instantâneo de público e crítica, o longa dos irmãos Wachowsky, garantiu à dupla de nome quase impronunciável, o sinal verde no orçamento para duas seqüências. Abusando dos efeitos especiais e da ação, as seqüências Reloaded e Revolutions, não chegam aos pés da obra original e acabaram enterrando a franquia em uma aura de “tudo aquilo que poderia ter sido e não foi”.
O filme original tem diversos pontos inovadores. A estética toda estilizada e os consagrados movimentos de câmera em slow-motion se tornaram marcas registradas e ícones referenciais no cinema. O grande trunfo que garantiu ao filme um caráter mítico está por trás do figurino, da fotografia e dos efeitos especiais que ambientam muito bem o público à proposta do longa. Matrix é antes de tudo um filme cerebral, o alicerce que justifica seus malabarismos técnicos é seu roteiro.

Urgente, preocupante e imediato; o fio condutor que guia a história tinha uma pergunta instigante e ameaçadora em suas entrelinhas. Poderia um dia o homem ser escravizado pela tecnologia que criou?

As máquinas de Matrix evoluíram ao ponto de dominar os seres humanos e aprisioná-los em casulos. No filme vivemos em uma realidade virtual, e através de impulsos eletrônicos em nossos cérebros, podemos sentir emoções e tristezas, tudo para que nossos corpos gerem calor para alimentar as máquinas. Como grandes usinas, apenas “funcionamos” e a vida que vivemos não existe realmente.

A profundidade da história fez com que o filme se tornasse uma aula de filosofia completa utilizada inclusive em sala de aula das grandes universidades do Brasil e do mundo. Eu mesmo durante a faculdade estudei um texto da autora Maria Helena Chauí, falando sobre o filme, em uma de minhas infindáveis aulas de filosofia.

Matrix atualizou depois de 31 anos a mesma temática de “2001 uma Odisséia no Espaço”, realizado em 1968. O clássico dirigido pela lenda do cinema Stanley Kubrick, se tornou a base estética para toda ficção científica que seria produzida desde então. Sua história de mistério girava em torno de um monólito negro e da evolução humana, em uma busca pelo desconhecido. Além do alto conteúdo filosófico presente nas entrelinhas, a narrativa principal também trazia a “revolta da tecnologia contra seu criador”, personificada no computador de bordo HAL 2000 da nave Discovery, que após uma pane assume o controle e começa a eliminar seus tripulantes.

O impacto de Matrix, portanto, não vem necessariamente de sua originalidade, mas de seu tempo. 2001 Uma .... era claramente uma ficção, em uma época onde computadores tinham o tamanho de imensas salas e serviam ainda apenas para resolver cálculos básicos - sua temática não era ameaçadora. 

Quando a história do hacker Neo, uma espécie de messias virtual, chega até nós em 1999, estamos diante da revolução tecnológica proporcionada pelos computadores que se tornavam menores e mais eficientes a cada ano, encurtavam distâncias, armazenavam e distribuíam informações em disquetes, cds e discos rígidos, jogavam xadrez e superavam a mente humana.

Hoje, mais de dez anos depois, somos ainda mais dependentes das tecnologias que criamos. O computador aos poucos assume o centro das casas, ficando responsável pelo entretenimento, pela informação e pelo lazer de seus habitantes. A cultura que foi revolucionada com o papiro, hoje vê o fim de sua existência real e palpável. Grandes jornais e revistas estão migrando para o meio virtual e deixando de existir no mundo real assim como muitas coisas comuns de nosso dia-a-dia. Estamos diante de uma tendência preocupante: músicas, filmes, livros estão perdendo sua existência concreta e “virando” bytes armazenados em um disco. Você mesmo que lê agora este artigo optou pela Internet neste instante como fonte de notícias e conhecimento. Será que paramos para pensar que talvez estejamos caminhando para uma virtualização da realidade ?

Amigos virtuais, conversas virtuais, jogos virtuais, e até vidas virtuais( anunciadas inclusive com o nome bastante coerente de “Second Life”) estão “roubando” nosso tempo que antes era gasto com interações reais.

Estamos diante talvez de um salto evolutivo da espécie, estamos migrando para outro ambiente. Semelhanças com a história de Matrix ?

Em pesquisa realizada na época de lançamento do filme, 15% dos entrevistados disseram acreditar que existe a possibilidade, de nesse momento, estarmos vivendo a realidade proposta pelo filme.

Sem a pretensão de ser a trombeta digital do anjo do apocalipse moderno não vejo com bons olhos nosso fascínio pelo mundo virtual que criamos, pela tecnologia sem limites que encurta distâncias e resolve nossos problemas por nós. E se alguém um dia puxar o plugue da tomada? Estaremos de volta a era do fogo com paus e pedras?

O grande triunfo de “Matrix” é ser mais que um filme. É gerar uma inumerável gama de assuntos urgentes para reflexão e oferecer ao espectador atento um bom motivo para questionar as diferenças entre a vida real e a vida virtual que se vive atualmente.

O próximo passo que já está sendo dado em direção ao novo advento da tecnologia são as pesquisas relacionadas a inteligência artificial. Não sei se daqui a dez anos estarei escrevendo sobre ciborgues, andróides e híbridos, ou se confortavelmente eles estarão escrevendo por mim, se como em Matrix receberemos diretamente através de agulhas pontiagudas espetadas em nosso cérebro as informações diárias que precisamos, mas ainda sinto uma reconfortante sensação de poder ao puxar o plugue do computador e em uma atitude de rebeldia contemporânea abrir um bom e velho livro de papel. Ainda estamos no comando, pelo menos por enquanto.... 

quarta-feira, março 16, 2011

A Estranha Mania de Ler Roteiros



Chapter Thirteen...

               "He types... On the SOUNDTRACK we hear the CASINO noise.

                                     JACK'S VOICE
                         It's all numbers, the croupier
                         thought. A spin of the wheel. A
                         turn of a card. The time of your
                         life. The date of your birth. The
                         year of your death. In the Book of
                         Numbers the Lord said: 'thou shalt
                         count thy steps" (Croupier - by Paul Mayersberg)

           
Parte da atração em ser um apreciador de cinema é colecionar hábitos inconvencionais em relação à grande maioria de espectadores casuais.

Estudar formatos, tendências, reconhecer o estilo de cada diretor, a filmografia de atores prediletos, colecionar trilhas sonoras, ser fã número 1 do editor de som fulano, saber de trás para frente os filmes lançados na Eslovênia na década de 70; os fetiches cinematográficos se manifestam em pequenos graus de curiosidade até um estado de obsessão bem próximo da paranóia.

Uma vez conheci um cara que tinha transtorno obsessivo compulsivo e piscava desesperadamente a cada cinco segundos. Menos quando assistia à um clássico do cinema italiano - Rosselini, Pasolini, Antonioni e principalmente Fellini, tinham um poder curativo quase shamanístico sobre ele.
Com tantas manias na prateleira para escolher, confesso que no início de minha vida de cinéfilo foi inevitável não ceder a tentação de ler roteiros.

Começou lá pelos meus dezesseis anos, quando já lia alguma coisa em inglês sem maiores dificuldades, e despertei minha audição para a genialidade de alguns diálogos que adorava guardar e repetir.

O acesso aos roteiros não era uma das coisas mais fáceis de se ter em mãos naquela época, me lembro que a Internet discada era uma porcaria, o número de sites sobre cinema era bastante reduzido e achar roteiros na web era procurar agulhas em um palheiro.

Nos primeiros anos, me deliciava em repetir exaustivamente no vídeo cassete minhas cenas prediletas, enquanto anotava em um bloquinho os diálogos em inglês.

Foi assim com “Táxi Driver”, “Blade Runner”, “Cães de Aluguel”, “Duro de Matar” “Máquina Mortífera”, e tantos outros nomes que eram selecionados somente pelo critério de número de frases bacanas de serem lembradas, sem preconceito com qualquer filme, adorava alguns diálogos de “Viagem Insólita”,  “Os Goonies” e “Exterminador do Futuro 2”.

  Travis:
Loneliness has followed me all my life.  The life of loneliness pursues me wherever I go: in bars, cars, coffee shops, theaters,  stores, sidewalks.  There is no escape.  I am God's lonely man.

I am not a fool.  I will no longer fool myself.  I will no longer let myself fall apart, become a joke and object of ridicule.  I know  there is no longer any hope.  I cannot continue this hollow, empty fight.  I must sleep.  What hope is there for me?(Taxi Driver - by Paul Schrader)



Após um tempo esse hábito virou um hobby bastante prazeroso, com a melhora da Internet e do ambiente de rede já era possível encontrar um ou outro roteiro para ler.

Achei no sebo uma vez uma tradução do roteiro de “Laranja Mecânica” e até hoje dou risada quando lembro minha satisfação.

Organizei em meu computador pessoal mais de cinqüenta frases selecionadas -que dariam um bom livro cheguei a pensar.

Aí passei na faculdade de jornalismo. O tempo ficou escasso e um belo dia meu computador queimou colocando fim de forma irremediável ao meu arquivo pessoal.
Como um vício é recorrente, uma hora ou outra sempre acabo por ler um roteiro ao invés de ler um livro. Sugiro a experiência, é um pouco estranho no começo, mas depois se torna tão agradável quanto ler um bom romance.

Por isso deixo aqui dicas de roteiros infalíveis para a leitura de um iniciante.
Qualquer um dos roteiros de longas assinados por Quentin Tarantino são um deleite; as linhas narrativas e diálogos cheios de sacadas e humor negro são realmente demais.
A maioria dos filmes de David Mammet também oferecem roteiros muito interessantes, que nem sempre atingem na execução o potencial das linhas, as tramas apresentam bons momentos de suspense e reviravoltas.

Aconselho a maioria dos suspenses policiais e desaconselho comédias e filmes de terror, que perdem muito sem o poder das imagens.

Para encerrar, existem ainda roteiros irresistíveis pela sua construção, pela narração em off das personagens. Alguns de meus prediletos estão entre eles: “Clube da Luta”, “Táxi Driver” e “Croupier”.


Tyler tugs at Jack's arm.

TYLER
We are God's middle children, with no special place in history and no special attention. Unless we get God's attention, we have no hope of damnation or redemption.

Jack looks at Tyler and they lock eyes in a stare.

TYLER
The lower you fall, the higher you fly.  The farther you run, the more God wants you back.

Jack does his best to stifle his spasms and quivers of pain.  Tears drip from his eyes.

TYLER
Someday, you will die.  And until you know that, you're useless to me.

Tyler's eyes fill with tears and he smiles.  Suddenly, Jack starts breathing heavily and he shakes his hand....( Fight Club - Jim Uhls)

 O que motivou este artigo foi um pequeno trecho do roteiro do filme “Croupier”, talvez a mais desconhecida das indicações citadas. Surgiu como uma recaída nessa semana aonde os números me perseguiram em datas, códigos, senhas, horas, limites, me peguei repetindo de cor um trecho que não lia há anos:

 “ É tudo números pensou o croupier. O girar da roleta. A virada de uma carta. O tempo da sua vida. A data do seu nascimento. O ano de sua morte. No Livro dos Números, o Senhor disse – Contarei vossos passos”

Quem estava perto pensou que eu era louco. Com um pequeno sorriso voltei para a casa e reli o roteiro completo. Louco não, só mais um cinéfilo cheio de manias.

 

terça-feira, março 15, 2011

O Machismo Encantador de Mad Men



"Nostalgia - it's delicate, but potent. Teddy told me that in Greek, "nostalgia" literally means "the pain from an old wound." It's a twinge in your heart far more powerful than memory alone. This device isn't a spaceship, it's a time machine. It goes backwards, and forwards... it takes us to a place where we ache to go again. It's not called the wheel, it's called the carousel. It let's us travel the way a child travels - around and around, and back home again, to a place where we know are loved."

"Nostalgia - é delicada, mas potente. Teddy me disse que na Grécia, "nostalgia" literalmente quer dizer, "a dor de uma velha ferida". É uma agulhada em seu coração, de longe mais poderosa que a memória. Este dispositivo não é uma espaçonave, é uma máquina do tempo.. Ela vai para trás e para frente... nos leva para um lugar aonde gostaríamos de estar de novo. Não é chamado de "A Roda", é chamado de "O Carrossel". Ele nos permite viajar do jeito que as crianças viajam, girando e girando e voltando para a casa novamente, para o lugar onde nós sabemosq ue somos amados."

(Don Drapper, apresentando The Carrossel of Kodak, in the 1° Season Finale - episódio: The Wheel)

Aproveitando o resto que sobrava de minhas férias fui tomado por uma grande curiosidade quando vi a cerimônia do Globo de Ouro 2010 premiar pela terceira vez consecutiva “Mad Men” com o prêmio de melhor série dramática.

Em minha poltrona apostava as fichas para um triunfo triplo da quarta temporada de “Dexter”, que segundo meus palpites, levaria os prêmios de “Melhor Ator”, “Melhor Ator Coadjuvante” e “Melhor Série” na categoria Drama. Fiquei surpreso ao perceber que Michael C. Hall e John Lithgow confirmaram minhas expectativas, mas que a série produzida pelo canal HBO quebrou todos os prognósticos que havia lido e faturou seu terceiro prêmio consecutivo.

Sei que Nelson Rodrigues alertava com sua famosa frase sobre os consensos: “Toda unanimidade é burra”, mas decidi checar por conta própria se “Mad Men” merecia seus prêmios ou se era tudo um grande golpe publicitário.

Era tudo realmente um grande golpe publicitário. Literalmente, mas sem nenhum demérito. A série vale cada minuto, ao mostrar de forma charmosa e encantadora o dia-a-dia da agência de publicidades fictícia “Sterling Cooper” em um esfumaçado Estados Unidos da década de 60.

Com o nome retirado do apelido dado aos publicitários da Madison Avenue, Mad Men, traz para a televisão um requinte de produção soberbo cheio de minúcias e traços fiéis a uma época peculiar e nostálgica.

Impossível resistir aos charmosos ambientes decorados em tons pastéis e ao desfile de itens históricos que passam diante de nossos olhos com naturalidade - as máquinas de escrever, os primeiros logos de marcas mundialmente famosas, os ternos impecáveis de corte reto, os vestidos acinturados, os automóveis robustos e agigantados...

Ao mesmo tempo a cada episódio as “novidades” do mercado mundial aterrissam em tela  trazendo ainda mais nostalgia; o desodorante em spray , o carrossel Kodak de slides e o pequeno fusca alemão.
Sem perceber o espectador mergulha em uma aula de história que ressuscita não somente a estética de uma época, mas todo seus costumes. A antropologia vestida com glamour para um encontro à dois aonde sem dúvida, o homem dita as regras.

Fica nítido em cada um dos episódios o “machismo” de uma época aonde o feminismo não havia destruído a feminilidade.

A mulher recupera em “Mad Men” um status diferenciado sendo tratada sob um rígido protocolo que vai além de apenas retirar o chapéu na presença de uma dama. Esse esmero de cuidados, muitas vezes confundido com um cerceamento da liberdade individual, demonstra que a mulher na realidade ocupa um papel central na trama.

Enquanto certamente algumas feministas radicais irão demonizar a série, a maioria dos homens e mulheres sentirão uma ponta de curiosidade sobre como seria viver em um momento histórico tão peculiar.

Regendo a orquestra afinada de “Mad Men” está Don Draper, o chefe de criação da Sterling-Cooper em uma interpretação impecável do ator John Hamm.
Draper é a caracterização perfeita dos maiores protagonistas dos romances americanos do início do século passado. Com seu rosto quadrado quase sem ângulos, de características marcantes, lembra tanto os detetives de romances noir quanto os canalhas espreitando nas mesas de bar.
Sua história de passado obscuro sob seu momento brilhante de gênio criativo em ascensão é o que dá fôlego à série e permite que sua personalidade roube a cena.

Como pano de fundo a sociedade norte americana da década de 60 é mostrada por um jogo de contrastes interessante. Peggy Olsen, a mocinha ingênua que tenta a sorte na cidade grande, é o contrário de Joan Hollooway, a secretária sexy, inteligente e decidida. O arrogante e ambicioso executivo junior Peter Campbel é o contrário do comedido e experiente Bertran Cooper, sócio majoritário da Sterling Cooper. A esposa devotada de Draper, interpretada pela bela January Jones é a rainha do lar, tratada com esmeros e regalos, aonde até o amor só é feito com luzes apagadas; o contrário da ilustradora vivida por Rosemarie DeWitti, amante, representante de diversas vertentes marginalizadas da época, ela simboliza as gerações hippie e beat e traz às telas o consumo de drogas “recreativas” que cresciam naquele instante.

O homossexualismo também é retratado de forma sutil através da personagem Salvatore Romano, um desenhista de origem ítalo-americana que faz parte da equipe de criação de Draper.
O anti-semitismo, a crise do tabaco, as eleições de Kenedy vs. Nixon, o fundo histórico parece trazer temas interessantes inesgotáveis para os episódios.

Completa e inteligente, “Mad Men” confirmou todas minhas expectativas positivas. Sem a necessidade de grandes arroubos emocionais de aviões caindo em ilhas fantasmagóricas ou super-agentes desvendando crimes capazes de comprometer a segurança nacional a série parece ter atingido outro patamar. Um patamar de elegância, estilo e sofisticação que só existia na década de 60.
Azar de quem achar machista, eu achei fantástico.



segunda-feira, março 14, 2011

Dexter e o Homem de Kipling





If

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too,
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream--and not make dreams your master,
If you can think--and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools;

If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings --nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much,
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And --which is more-- you'll be a Man, my son!
Se

Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar --sem que a isso só te atires,
De sonhar --sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais --tu serás um homem, ó meu filho!


Quando o escritor britânico Rudyard Kipling encerrou seu mais conhecido poema utilizando a palavra “Man”, grafada com a letra maiúscula, ele criava um conceito de homem ideal muito distante da realidade.

Nas breves linhas de “If” (Se) o que vemos é a construção de um autômato social perfeito - adequado e de arestas aparadas para o convívio pacífico em qualquer ambiente. O poema adotado por muitos como mote pela sua exuberância técnica e conteúdo utópico sem dúvida fica muito bonito em molduras douradas nas paredes de grandes conglomerados executivos. Médicos, administradores, publicitários, empresários, artistas e qualquer homem considerado “de sucesso” adora o regalo de poder citar um ou dois versos de Kipling para se sentir mais humano e bondoso, mais cordial e menos torpe. 

O sucesso da série de televisão Dexter, exibida pelo canal Showtime desde 2006, segue por definição o caminho inverso do proposto pelo homem de Kipling.
Baseada no livro “Dark Dreaming Dexter”, de Jeff Lindsay, a série escolhe como protagonista um pouco ortodoxo serial killer.

Depois da cortina de fumaça e do alarde social criado pelo argumento ousado, o que restou após o fim da “choradeira” ética e moral, que condenava a humanização de um assassino, foi uma aprovação pública inesperada que aumenta o índice de audiência a cada nova temporada da série.
Dexter Morgan tem o formato perfeito do “Homem de Kipling”. Tem um bom emprego, uma vida social aparentemente estável e feliz, um comportamento amigável, gentil e generoso.
No entanto, a máscara de Dexter cai logo nos primeiros minutos de seu episódio piloto. O expectador é convidado a conhecer os pensamentos que permeiam a mente do personagem, enquanto este finge emoções e controla cada reação para esconder da sociedade a realidade sobre seu hobby predileto: matar pessoas.

Em nenhum momento o argumento da série faz concessões a crueza da situação proposta. O interlocutor é convidado a conhecer à fundo as motivações e os pensamentos de um assassino em série, por isso não espere sutilezas. Dexter é cruel, sádico e sanguinário.
Inteligente, se beneficia de seu status privilegiado dentro da polícia, aonde tem livre acesso por ser um perito forense especializado em sangue, levando vantagem na hora de selecionar suas vitimas e esconder seus crimes.

Por ser extremamente humano e possivelmente mais crível que a maioria das personagens criadas para o entretenimento Dexter assassinou o “homem de kipling” e mais do que isso, foi inocentado pelo júri popular.

Todos nós possuímos defeitos, falhas e atitudes condenáveis socialmente que escondemos do mais intimo de nossos amigos. Ficamos felizes com o fracasso alheio, odiamos mais do que amamos, adoramos criar intrigas, separar pessoas, incentivar tumultos, vaiar. Provavelmente sentimos mais prazer em quebrar os dez mandamentos e sucumbir aos sete pecados capitais do que fazer uma boa ação. 

Por isso nos sentimos confortados em perceber que apesar de possuirmos comportamentos tão cruéis e torpes ainda não assassinamos ninguém. 

O deleite instigado pela série é justamente o oposto daquele causado pelo poema de Kipling.
Se podes perder a cabeça enquanto todos fingem que estão bem, se podes tripudiar na derrota alheia, lesar e causar dano a quem te calunia e ainda assim sentirdes humano.
Se aceitas com naturalidade ser intolerante, incompreensivo e orgulhoso, superior aos menores que tu na hierarquia social e não sentes remorso com esta situação.

Se vivendo te permites perder as esperanças, ser cético e incrédulo na bondade individual ou coletiva enquanto tantos fingem acreditar.

Se te levantas a cada queda a ti imposta motivado apenas pelos sentimentos de revanche e vingança.
Se buscas enforcar o rei e explorar a plebe.

Neste dia alegra-te meu filho: Serás Homem.

Não parece tão plausível como o “Se” original ?

Sob esse pretexto Dexter iniciou neste mês sua quarta temporada e a cada ano se torna mais convincente. A tendência na série em “humanizar” a personagem central segue ainda com moderação, sem radicalismos, para não virar “mais uma” ficção. 

Os índices de audiência continuam derrubando a hipocrisia de quem recita Kipling mas assiste com um largo sorriso cada punhalada de Dexter.

O autômato de “If” segue ótimo na teoria, vigoroso e altivo como de costume, uma ótima meta que todos de certa forma objetivamos para o dia de amanhã. Por hoje somos humanos e adoramos uma boa série de televisão.


domingo, março 13, 2011

Aprendendo Política com Patativa do Assaré

"Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim"
(Millôr Fernandes)

"Repare que a minha vida
É deferente da sua. A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte das obra da criação. 
Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.


(Cante Lá que eu Canto Cá - Patativa do Assaré)


A todos nós eleitores que a cada pleito provamos na urna o efeito, muitas vezes catastrófico, do modelo democrático fica aqui uma lição do finado Sr. Patativa do Assaré.

Antes de começar vejamos nossa situação atual. Após ciclos infindáveis que renovam o poder público e nacional com eleições de dois em dois anos, o povo não se cansa de reclamar e abrir o chororô em todas as escalas, sejam elas federais, estaduais ou municipais. 

Ninguém explica como a tartaruga subiu no poste. Todos olham para ela indignados e exclamam: “Desce daí sua sem-vergonha!” 

Mas ninguém busca a escada para tirá-la de lá. Ninguém se organiza para um ato concreto - que seja derrubar o poste.

E assim se renova o ciclo quase que perene de eleger e reclamar até as próximas eleições.
Para quem não sabe, Antonio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, além de poeta, compositor, músico popular e improvisador, tomou para si uma das tarefas mais árduas que se pode conceber em solo tupiniquim: a de esclarecer o povo.

Nascido em Assaré no Ceará, Patativa padeceu da sina comum de tantos severinos de sobreviver da agricultura e ser explorado pelo coronelismo. Ficou cego de uma das vistas muito cedo o que parece ter lhe garantido um dom de ciência e de compreensão, quase uma clarividência, capaz de enxergar muito além da aridez do nordeste, criando versos e histórias e transmitindo através da oralidade lições de democracia, sociedade e convivência humana.

Para quem torce o nariz e trata com preconceito os versos de Antônio, vale saber que ninguém no meio acadêmico conseguiu até hoje dissecar de forma completa a vida e a obra deste poeta reconhecidamente talentoso. A oralidade,marca maior de seu estilo, não compromete a distribuição das rimas organizadas de forma intuitiva em moldes camonianos, muitas vezes em sonetos de rimas clássicas, outras em décimas e sextilhas nordestinas.

O poder imagético de sua prosa e verso é tão fabuloso quanto didático.

Imaginem a cena. Um boi zebu todo suado querendo fugir do sol se esconde à sombra de m grande juazeiro. Sem perceber, ao parar, coloca as quatro patas em cima de um formigueiro.

As formigas, indignadas com o disparate, ordenadamente começaram a revolução. Uma a uma escalando, picando e atacando foram contra o boi zebu, que relutou em sair da sombra que tanto lhe protegia. Ao ver que não podia vencer as formigas, porque eram numerosas demais, abandonou a sombra do juazeiro derrotado.

Moral da história ? Vamos Minhas Camaradas Esse Boi Zebu é só um !

Contra  “boi-zebu-senador”,  “boi-zebu-prefeito” ou “boi-zebu-deputado”, mamando e descansando na sombra do imenso juazeiro que pode ser nosso país, estado ou município a lição é uma só.
Lição de democracia pela base. Muitos escolhem um, porque muitos são mais do que um. O poder está com a massa e não com a minoria, basta mobilizar e corrigir.

O grito da ave Patativa ecoava no mais árduo terreno político do país. O nordeste . E lá sem se intimidar as poesias e rimas viraram livros, cordéis, canções e atingiram o povo sofrido que aprendia um pouco, ao repetir sem saber ler, as rimas de “O Boi Zebu e as Formigas”, “Eu quero”, “O Operário e o Agregado”, “A Terra é Natura”, “Nordestino Sim, Nordestinado Não” e tantas outras.
Por isso a poesia de Patativa avançava em várias frentes.

Ensinava o povo a votar:
“Quero um chefe brasileiro /Fiel, firme e justiceiro /Capaz de nos proteger, /Que do campo até a rua /O povo todo possua /O direito de viver.”

A ser patriota:
“Eu quero o agregado isento/ Do terrível sofrimento/ Do maldito cativeiro,/ Quero ver o meu pais /Rico, ditoso e feliz / Livre do jugo estrangeiro.”

A separar religião de política:
“Não é Deus que nos castiga,/ Nem é a seca que obriga / Sofrermos dura sentença,/ Não somos nordestinados, / Nós somos injustiçados / Tratados com indiferença...
...Mas não é o Pai Celeste/ Que faz sair do Nordeste/ Legiões de retirantes, / Os grandes martírios seus / Não é permissão de Deus,/ É culpa dos governantes.”

E em último caso a se rebelar e exigir justiça contra o governante corrupto eleito.
“Com a feição de guerrêra /Uma formiga animada / Gritou para as companhêra:/ Vamo minhas camarada /Acaba com os capricho /Deste ignorante bicho/ Com a nossa força comum /Defendendo o formiguêro/ Nos somos muitos miêro /E este zebu é só um.”

Então formigaiada antes de reclamar da rotatória municipal, do presidente do senado, do deputado corrupto o ideal é todos nós lermos e ouvirmos um pouco do chiar de Patativa, e assim quem sabe, mobilizar e resolver alguma coisa. Seja nas próximas eleições ou ainda neste mandato não podemos esquecer:
“- Este Zebu é só um”




 
Tema para Blogger Mínima 233
Original de Douglas Bowman | Modificado por :: BloggerSPhera ::