"Eu vou te encontrar, em outras passagens dessa vida,
Quando tiver mais coisa pra dizer,
Eu vou te encontrar nas torres de 130 andares,
Por trás das malhas de vidro, caindo no esquecimento,
No futuro que eu não sei se haverá, vou te escutar,
Nas finas antenas de metal, vou ver teus desenhos no jornal,
Um rosto distante se apagando no meio da multidão. "
Desenhos no Jornal (Sá, Rodrix e Guarabira)
Desde o dia 22 de maio que estou sendo assombrado pelo vulto recorrente do músico Zé Rodrix. Tentando exorcizar as músicas que insistiam em tomar de assalto meu dia, decidi escrever sobre “Casa no Campo”, composição de Tavito e Zé Rodrix, que se tornou sua obra mais famosa na voz elegante de Elis Regina. Escrevi um texto, publiquei em minha coluna semanal do site Atibaia News e falei comigo mesmo:
- Agora Zé, dá um tempo! Descansa em paz .
E nada. Descobri em um momento de iluminação pessoal que o que sentia era um grande descontentamento em saber que todos conheciam a casa no campo do Zé. Na verdade acho que é a casa mais conhecida do Brasil. O encosto, o incômodo, o que impedia que a alma de Rodrix descansasse em paz em meu subconsciente na realidade era uma sensação de que morria anônima junto com o músico muitas de suas obras, e este idiota que vos fala só aumentou o mito de “obra única”, que impede a grande maioria de enxergar a densa carreira nos quintais da Casa do Campo. Portanto fica aqui um desesperado conselho: antes de prestar um minuto de silêncio, gaste algumas horas para conhecer a discografia deste músico iluminado.
O carioca José Rodrigues Trindade merece mais. Artista talentoso e compositor astuto no manejo das palavras, esbanjou malemolência ao definir nosso jeitão macunaíma de ser na composição “Soy Latino Americano” e de quebra colocou todos nossos vizinhos juntos, como se a Bolívia estivesse ali pertinho de Ipanema. Com os parceiros Sá e Guarabira constituiu uma das principais bandeiras da música nacional ao fundar o rock rural, uma espécie de folk tupiniquim. Sem exageros, o trio era nosso “Crosby, Still and Nash” e trouxe em apenas dois discos uma grande quantidade de canções memoráveis. Os arranjos de “Mestre Jonas” e o apelo de “Primeira Canção da Estrada” e “Pó da Estrada” mostram a fina sintonia do grupo, a qualidade estética do arranjo vocal e de cordas do seu trabalho e a exaltação da cultura “pé-na-estrada”, que pegou uma curva e aportou com alguns anos de atraso no Brasil. “Passado, Presente e Futuro” de 1971 e “Terra” de 1973, são referências quase obrigatórias na música popular brasileira, mas poucas vezes são lembradas.
Rodrix se aventurou em discos solo, gravou com a banda “Joelho de Porco” e por um tempo abandonou a carreira de músico para se dedicar a publicidade. Retornou a estrada em 2001, novamente com Sá e Guarabira.
Para encerrar, como a cereja de um bolo repleto de recheios e camadas eu coloco a música “Jesus numa Moto”. Cheia de idéias poderosas construídas através de expressões pouco prováveis, a música é uma catarse artística como poucas.
Pare e escute ! Quem não se interessou pelo talento do Zé depois de conhecer pelo menos um pouco de sua obra está condenado a pequenez da casinha de pau-a-pique e sapê. Não sei até quando as músicas do Rodrix vão me assombrar, mas acho que fiz minha parte.
Com licença que hoje é sexta, é dia de meter um Marlon Brando nas idéias e sair por aí!