"Bontsha era um ser humano. Viveu desconhecido, no silêncio, e no silêncio morreu, depois de passar pela vida como uma sombra. No dia em que Bontsha nasceu, ninguém ficou alegre, ninguém tomou um copo de vinho. Na sua confirmação, não houve discurso nem celebração. Viveu como o grão de areia na beira do grande oceano, entre milhões de outros, grãos como ele. E quando o vento, enfim, o levantou e levou com seu sopro para a outra margem, ninguém notou."
Entre os diversos gêneros literários, um que me agrada em especial é o conto. A habilidade de narrar em poucas palavras uma história marcante é sem dúvida uma arte para poucos.
Mesmo os melhores dentre os melhores contistas intercalam momentos de genialidade com o marasmo do lugar comum; impossível ser genial e inovador sempre.
Até os grandes escritores sentem a dificuldade de criar triunfos indiscutíveis em um gênero tão superlotado de aventureiros que escrevem a torto e a direita - tornando o processo de selecionar boas narrativas curtas um processo árduo, porém prazeroso.
O conto escolhido para exemplificar esse caso é o genial “Bontsha, O Silencioso”, uma pérola de lucidez e genialidade concebida pelo escritor polonês Isaac Leib Peretz(1852-1915).
Para nós brasileiros a quase desconhecida obra deste escritor judeu poderia seguir no anonimato sem que com isso sentíssemos falta de bons contos para ler. Por isso a escolha dessa semana, não foi simplesmente para parecer diferenciado ou tentar atribuir a este espaço uma pseudo aura cult pré-fabricada. Nada disso, existe apenas a necessidade de levar a luz a uma obra pouco conhecida mas que merece ser visitada (“Let There be More Light”...o nome não é por acaso.)
É aquela motivação que acontece espontaneamente após terminar um bom livro, assistir a um bom filme ou ouvir um grande disco. Você simplesmente quer que mais pessoas conheçam determinado trabalho e essa sensação se torna ainda mais urgente quando se trata de obras obscuras ou pouco convencionais.
Peretz entrega em seu conto uma história peculiar sobre o ser humano. Bontsha, nunca reclamou, sentiu ódio ou reagiu a qualquer coisa, sem se queixar de Deus, dos homens ou da sociedade sua vida é marcada por um inconfortável silêncio diante da injustiça.
A narrativa tem início com a morte do protagonista e com um desconfortável sarcasmo diante da pequenez humana.
Bontsha é apresentado como um miserável esquecido e desprezado por todos, sua morte e sua história são marcadas pelo anonimato social.
Diante do júri celestial a vida da personagem passa a ser revisitada com um humor caustico pelos anjos que revezam a palavra entre acusação e defesa.
Como julgar alguém que não fez nada de mal a vida toda ?
Falar mais seria estragar a experiência. Para aqueles que desejam ler a história disponibilizo um link para o e-book na Internet, lembrando que o conto foi publicado na coletânea “Os Cem Melhores contos de Humor da Literatura Universal”.
Não se enganem, o texto não faz rir, na verdade causa uma sensação de desconforto nauseante em seu final, humor negro que dá um tapa na cara da hipocrisia com ares de fábula de Esopo.
Se lerem comentem.
1 Comentário:
Gostei muito do seu texto. Compartilho as suas idéias sobre o conto. Os 100 contos de Humor fica sempre na minha mesinha ao lado da cama. Amo Bontsha, o silencioso. Quanta delicadeza de espírito! Deus abençoe Isaac Leib Peretz aonde ele estiver! Maria José Silveira da Silva
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