quarta-feira, novembro 25, 2009

Poema Sujo - Ferreira Gullar



Entre muitos poetas que admiro, Ferreira Gullar se destaca por ter sobrevivido ao tempo. E de forma literal. Sua obra mais aclamada “Poema Sujo” completou este ano seu 33° aniversário, enquanto seu autor já contabiliza 79 velinhas.


Diferente de muitos outros autores que deixaram seu legado e agora colhem apenas as homenagens póstumas pelo seu trabalho, José Ribamar Ferreira ainda hoje é tão vivo quanto as massas de carne dentro do microvestido rosa que causaram furor e euforia há algumas semanas em um espaço universitário.


É triste perceber como no Brasil críamos notícia com qualquer coisa, até com o absurdo. Preferia ver nos noticiários a chamada: “Grande tumulto causado pela presença de Ferreira Gullar em debate literário da universidade X”, mas ao invés disso, semanas depois do fato bizonho, abro a página de um grande portal da Internet e vejo a figura da loira que usou uma peça de roupa mais curta que o bom senso e agora sorri para as lentes de um fotógrafo dando uma entrevista monossilábica sobre sua recente fama. Talvez no dia de sua morte o poeta receba por um dia os holofotes.


Não escolhi a ex-anônima Geyse para ilustrar este texto à toa. Relendo “Poema Sujo” percebi que a força incontrolável das palavras que brotam neste poema longo usam e abusam do impacto da hipocrisia da sociedade, hipocrisia vista em doses fartas no episódio da estudante que foi hostilizada por vestir uma roupa considerada "muito curta".

Ferreira Gullar utiliza suas memórias vividas em São Luís do Maranhão para construir um texto ambíguo extremamente pessoal e ao mesmo tempo coletivo. Suas experiências pessoais se sobressaltam em um mosaico descritivo cheio de cenas e cenários impactantes que descrevem não só sua vida, mas capítulos que todos nós vivenciamos uma hora ou outra de nossa existência.

A linguagem “suja” que permeia as páginas da obra foi escolhida cirurgicamente para causar desconforto e dar um tapa na cara da sociedade que finge ser o que não é.

Perceba que a palavra “vagina” pode ser utilizada mil vezes em um livro de biologia sem causar estranhamento, mas basta utilizá-la uma vez em uma obra literária para causar no mais pudico leitor aquela sensação de obra perniciosa que deve ser lida escondida em baixo da cama.


“Tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo...”

Vemos bucetas diariamente, na televisão, em sites, em revistas, na nossa cama esperando pelo coito, em nossa imaginação despimos a mulher mais próxima; e para não correr o risco de ser machista ou sexista as mulheres também vêem e imaginam pintos.

Basta ilustrar em palavras que tudo parece errado, imoral e certamente engorda.

Muito do charme de “Poema Sujo” está aí. Da linguagem mais poética ao termo mais ordinário, tudo é utilizado em prol das sensações.

E quanto a Geyse? Bem é o retrato que nossa sociedade continua hipócrita. Se ela pertencesse a uma minoria estaríamos vivenciando uma tragédia ainda maior, ou alguém dúvida que a história do “vestido curto” se tornaria rapidamente outra caso se sua protagonista fosse negra, homossexual, pobre, usuária de maconha... etc...etc...

Estamos ficando chatos e tacanhos, proibimos ao invés de liberar, vide o cigarro. Nossa juventude que antes lutava pela liberdade libertária hoje se resigna a defender uma pseudo-moralidade que decide o que o outro vestir - tudo isso em um ambiente universitário, que na teoria deveria ser o palco da liberdade individual.

Vergonhoso em um país aonde crianças iniciam sua vida sexual aos 12 anos por falta de uma educação coerente ver um monte de marmanjos brigando por uma mini-saia que esconde o que Ferreira Gullar já escancarava entre folhas de bananeira em seus poemas.

Não defendo aqui nenhuma forma de imoralidade, nenhuma bandeira feminista, nenhuma bandeira machista, nenhuma forma de anarquia ou coisa do tipo, mas um pouco de bom senso coletivo não faria mal.

Quanto a ver Geise nos noticiários... já deu né ?

Para encerrar vamos ver mais uma das vaginas de Ferreira Gullar, sem mini saia, escancarada para seu público meter a mão.



“...e as palavras,
e as mentiras
e os carinhos mais doces mais sacanas
mais sentidos
para explodir como uma galáxia
de leite
no centro de tuas coxas no fundo
de tua noite ávida
cheiros de umbigo e de vagina
graves cheiros indecifráveis
como símbolos...”

terça-feira, novembro 17, 2009

Em defesa do Ecletismo


Boa noite amigos leitores. Sei que há tempos não escrevo aqui e isso se deve a uma pequena confusão minha e do Japa na ordem de publicação e, admito, a um esquecimento meu há algumas semanas. Também tenho que confessar que não ando lendo ou assistindo, ou mesmo ouvindo, algo que possa considerar relevante.


No entanto, li recentemente um texto no Blog da Luciana Sabbag sobre Edith Piaf e, nos comentários, uma crítica aos que se dizem ecléticos. Explico. Luciana escreve sobre a intérprete francesa e se diz eclética, citando outros artistas que também gosta de ouvir. Nos comentários, uma senhorita afirma que os ecléticos são confusos e dá a entender que gostar do clássico é mais adequado do que procurar boas coisas para ouvir em todos os estilos.


Bom, pelo que já foi publicado nesse blog, já deu para perceber que tanto eu quanto o Japa somos ecléticos. E por isso venho em defesa da nossa classe.


Sou da opinião de que em todo estilo musical é possível obter prazer. E é isso que busco na música: prazer. Algumas canções podem não ser de um primor técnico, porém sua carga emocional ou a lembrança a que ela nos remete valem o ouvido indulgente.


Comecei, há muitos anos, gostando dos clássicos. Minha mãe costumava ouvir uma fita cassete dos “Concertos Internacionais” e aquilo era maravilhoso. Beethoven, Mozart, Strauss, Wagner. Houve também uma fase em que os rádios lá de casa tocavam Sinatra e Nat King Cole. Outro que sempre esteve presente foi o rei Roberto. Cauby, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Ney Matogrosso, Elis Regina, tantos nomes. Os sertanejos passaram por lá, igualmente: João Mineiro e Marciano, Tião Carreiro e Pardinho, Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó etc etc etc.


Não sei se vocês estão entendendo aonde quero chegar. O ponto é que essas músicas todas me acompanham desde muito cedo, e trazem memórias das quais é muito bom lembrar. Desde o Roberto Carlos nas viagens para ver a família, eu pequeno e passando mal no carro (sempre vomitava), até Strauss e suas melodias fortes que me enchiam o peito com uma vontade louca de desafiar minha mãe e ir brincar lá fora a noite.


Com o tempo, fui conhecendo tantas outras coisas e tantas outras memórias foram sendo ligadas a novas músicas. O Jazz que me dá uma nostalgia de não sei quê, ou o Bolero de Ravel que ouvi a Osesp tocar na cidade de Bauru, onde fui tão feliz na faculdade. Até mesmo o pagode de fim de semana, nos churrascos da vida, com os irmãos/amigos que fiz durantes o meu curso de jornalismo. Chego a admitir, inclusive, que o funk das festas de repúblicas, com as meninas dançando e todo mundo louco acompanhando, me traz boas lembranças.


Sertanejo universitário e festas de peão. Lembranças de quando eu andava a cavalo e sentia o vento e o cheiro do mato tocando gado em Santa Cruz do Rio Pardo. O rock do Iron Maiden me iniciando no mundo dos jovens e deixando de lado o tiozão dentro do garoto de 15 anos. Os Beatles e uma apresentação memorável nas salas da UNESP Bauru. Gershwin e as ruas de Nova Iorque – que eu nunca visitei.


Não... Não são só lembranças. São também vontades, desejos, até mesmo viagens... Viagens em espírito, por meio da música, a lugares que talvez eu jamais conheça, ou que tenho a ânsia de conhecer. O hinos celtas da Escócia e Irlanda me colocam mais perto do meu sonho de conhecer as ruínas dos círculos de pedra do povo antigo. O pagode que eu ouço, não mais em um churrasco com os amigos, me deixa mais próximo deles novamente, mesmo que por alguns minutos. O Jazz me traz o cheiro, o gosto, a vontade, de uma época que não vivi.


Sim, sou eclético. Sou complicado também. Sou humano também. Bebo cerveja, cachaça, refrigerante vagabundo, vinho francês e uísque 12 anos. A minha busca é por prazer. Ouço música por isso. Não é me restringir a uma coisa, mas estar disposto a achar algo bom em todo lugar.


Dá trabalho, eu sei. Mas vale a pena...


terça-feira, novembro 10, 2009

Amargo Pesadelo - John Boorman (Deliverance, 1972)



Entre os diversos filmes que marcaram minha puberdade cinematográfica acredito que “Amargo Pesadelo” seja um daqueles que podem ser classificados como “inesquecíveis quase impossíveis de serem lembrados por completo”.

Eu explico.

Existem alguns filmes que ficam, mesmo contra nossa vontade, impressos na memória com um sentido geral de significados que podem ter sido causados por cenas e momentos impactantes a nossa percepção. Muitas vezes não se trata de uma obra de arte ou de uma unanimidade cinematográfica, mas alguns longas insistem em cravar seus nomes na história da sétima arte com momentos que muitas vezes duram minutos, ou até segundos.

Classifico o filme de John Boorman como um espécime curioso dessa genealogia.
Lembrava do contexto geral da história. Quatro amigos da cidade que decidem se aventurar em uma espécie de final de semana selvagem com direito a camping, caça e passeio nas corredeiras de um rio. Repentinamente um confronto se estabelece com alguns “caipiras” locais que gera uma situação trágica e psicologicamente perturbadora.

Há pouco mais de uma semana, ao reler alguma resenha sobre o filme, percebi que me lembrava apenas de quatro cenas com clareza.

Um duelo de banjo que se tornou um clássico(veja abaixo o vídeo), a cena clímax do filme com um estupro masculino, a vendeta esmagadora de Burt Reynolds com um arco e flecha e a cena de uma mão emergindo das águas com uma espingarda.



De resto percebi que não me lembrava de nada. Nada mesmo. Nem o final.

Constrangedor ? Certamente.

Como um dos filmes que você conscientemente considera um dos melhores que já assistiu ousa escapar dessa forma de sua memória?

Não sei, mas percebi que esse caso não é único, apesar de emblemático em minha filmografia de favoritos.

Prefiro acreditar que o impacto de algumas seqüências sobre nosso subconsciente acaba por causar esse efeito de o “inesquecível filme que eu não me lembro bem”...

Assisti novamente “Amargo Pesadelo” esta semana e indico a qualquer um, do antropólogo ao alienado, todos se sentirão no mínimo incomodados com as situações sugeridas que tratam basicamente de nossas interações sociais mais desastrosas e preconceituosas. A reação catártica e violenta passa longe da redenção, mas causa um clima de aceitação passiva desconfortável. Poucos filmes oferecem opções morais duvidáveis de comportamento com tamanha sinceridade como este; não existe um juízo de valores ou qualquer atitude calculada, apenas impulsos justificados pelo instinto, às vezes bestial, de reagirmos à situações de violência.

Fica aqui a dupla indicação. Assista “Amargo Pesadelo” e procure e revisite em sua filmografia pessoal aqueles filmes que você sempre indica a alguém mas que no fundo não se lembra direito.
Eu pretendo em breve (re)assistir “O Poderosos Chefão” e “O Franco Atirador”. Lembrar de cabeças de cavalo decepadas e roletas russas com prisioneiros de guerra é fácil difícil é reconstruir toda a obra ao redor de suas cenas míticas depois de alguns anos.

 
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