Entre muitos poetas que admiro, Ferreira Gullar se destaca por ter sobrevivido ao tempo. E de forma literal. Sua obra mais aclamada “Poema Sujo” completou este ano seu 33° aniversário, enquanto seu autor já contabiliza 79 velinhas.
Diferente de muitos outros autores que deixaram seu legado e agora colhem apenas as homenagens póstumas pelo seu trabalho, José Ribamar Ferreira ainda hoje é tão vivo quanto as massas de carne dentro do microvestido rosa que causaram furor e euforia há algumas semanas em um espaço universitário.
É triste perceber como no Brasil críamos notícia com qualquer coisa, até com o absurdo. Preferia ver nos noticiários a chamada: “Grande tumulto causado pela presença de Ferreira Gullar em debate literário da universidade X”, mas ao invés disso, semanas depois do fato bizonho, abro a página de um grande portal da Internet e vejo a figura da loira que usou uma peça de roupa mais curta que o bom senso e agora sorri para as lentes de um fotógrafo dando uma entrevista monossilábica sobre sua recente fama. Talvez no dia de sua morte o poeta receba por um dia os holofotes.
Não escolhi a ex-anônima Geyse para ilustrar este texto à toa. Relendo “Poema Sujo” percebi que a força incontrolável das palavras que brotam neste poema longo usam e abusam do impacto da hipocrisia da sociedade, hipocrisia vista em doses fartas no episódio da estudante que foi hostilizada por vestir uma roupa considerada "muito curta".
Ferreira Gullar utiliza suas memórias vividas em São Luís do Maranhão para construir um texto ambíguo extremamente pessoal e ao mesmo tempo coletivo. Suas experiências pessoais se sobressaltam em um mosaico descritivo cheio de cenas e cenários impactantes que descrevem não só sua vida, mas capítulos que todos nós vivenciamos uma hora ou outra de nossa existência.
A linguagem “suja” que permeia as páginas da obra foi escolhida cirurgicamente para causar desconforto e dar um tapa na cara da sociedade que finge ser o que não é.
Perceba que a palavra “vagina” pode ser utilizada mil vezes em um livro de biologia sem causar estranhamento, mas basta utilizá-la uma vez em uma obra literária para causar no mais pudico leitor aquela sensação de obra perniciosa que deve ser lida escondida em baixo da cama.
“Tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo...”
Vemos bucetas diariamente, na televisão, em sites, em revistas, na nossa cama esperando pelo coito, em nossa imaginação despimos a mulher mais próxima; e para não correr o risco de ser machista ou sexista as mulheres também vêem e imaginam pintos.
Basta ilustrar em palavras que tudo parece errado, imoral e certamente engorda.
Muito do charme de “Poema Sujo” está aí. Da linguagem mais poética ao termo mais ordinário, tudo é utilizado em prol das sensações.
E quanto a Geyse? Bem é o retrato que nossa sociedade continua hipócrita. Se ela pertencesse a uma minoria estaríamos vivenciando uma tragédia ainda maior, ou alguém dúvida que a história do “vestido curto” se tornaria rapidamente outra caso se sua protagonista fosse negra, homossexual, pobre, usuária de maconha... etc...etc...
Estamos ficando chatos e tacanhos, proibimos ao invés de liberar, vide o cigarro. Nossa juventude que antes lutava pela liberdade libertária hoje se resigna a defender uma pseudo-moralidade que decide o que o outro vestir - tudo isso em um ambiente universitário, que na teoria deveria ser o palco da liberdade individual.
Vergonhoso em um país aonde crianças iniciam sua vida sexual aos 12 anos por falta de uma educação coerente ver um monte de marmanjos brigando por uma mini-saia que esconde o que Ferreira Gullar já escancarava entre folhas de bananeira em seus poemas.
Não defendo aqui nenhuma forma de imoralidade, nenhuma bandeira feminista, nenhuma bandeira machista, nenhuma forma de anarquia ou coisa do tipo, mas um pouco de bom senso coletivo não faria mal.
Quanto a ver Geise nos noticiários... já deu né ?
Para encerrar vamos ver mais uma das vaginas de Ferreira Gullar, sem mini saia, escancarada para seu público meter a mão.
e as mentiras
e os carinhos mais doces mais sacanas
mais sentidos
para explodir como uma galáxia
de leite
no centro de tuas coxas no fundo
de tua noite ávida
cheiros de umbigo e de vagina
graves cheiros indecifráveis
como símbolos...”
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