domingo, março 06, 2011

O Dia do Coringa

(texto publicado originalmente em 30 de janeiro de 2009)


"....Podemos dizer, de braços abertos, que existimos. Mas logo somos colocados de lado e enfiados no saco das
trevas da história.
Pois somos criaturas sem retorno.
Somos parte de um eterno baile de máscaras, em que os mascarados vêm e se vão. Só acho que mereceríamos
coisa melhor,....
....Nenhuma outra pergunta me vem à cabeça com mais freqüência do que essa.
Como Sócrates, também eu poderia dizer: "Sei que nada sei". Mas tenho certeza absoluta de que um curinga
continua perambulando pelo mundo. Ele se encarregará de não permitir que o mundo se acomode. A qualquer
momento, e em qualquer parte, pode aparecer um pequeno bobo da corte usando um barrete e uma roupa cheia
de guizos tilintantes. Ele nos olhará nos olhos e nos perguntará:
"Quem somos? De onde viemos?"...."

Jostein Gardner, O Dia do Curinga.


No dia 22 de fevereiro o Kodak Theather, em Los Angeles, terá por algumas horas a atenção de milhões de telespectadores no mundo todo. O dia destinado a maior e mais importante festa do cinema no ano, receberá em seu tapete vermelho inúmeras estrelas: atores, atrizes, diretores e realizadores que em 2008 encantaram platéias com o "ilusionismo" da sétima arte.

E apesar de todos os preparativos e todo o cuidado para que a 81° edição do Oscar seja perfeita, uma poltrona estará incomodamente vazia na noite mais glamourosa do cinema. Em um prêmio considerado de segunda grandeza na constelação de estatuetas douradas da noite, é impossível ignorar a ausência de Heath Ledger entre os candidatos a melhor ator coadjuvante da noite. Encontrado morto na manhã do  dia 22 de janeiro do ano passado em seu apartamento em Nova York,  Ledger era considerado um talento promissor da nova geração de atores.

Sua visceral interpretação do vilão Coringa no filme "Cavaleiro das Trevas" já recebeu o Globo de Ouro deste ano desbancando ótimas atuações como a de Josh Brolin em "Milk" e a de Phillip Seymour Hoffman em "Doubt", consideradas favoritas até então.

Heath Ledger já havia demonstrado seu potencial na ousada interpretação de Ennis Del Mar, o cowboy homossexual de "O Segredo de Brokeback Mountain", filme de Ang Lee, que garantiu a Ledger a indicação ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Ator, e também os prêmios das Associações de Críticos de Cinema de Nova York e São Francisco.

Sua indicação neste ano é  uma grata surpresa por se tratar de um papel pouco valorizado pela crítica de cinema em geral. Os "filmes de fantasia" costumam receber inúmeras indicações técnicas mas seus atores raramente são levados a sério; justamente por isso a indicação de Ledger pelo vilão de uma das mais populares histórias em quadrinhos de todos os tempos merece destaque.

O ator se isolou em um quarto de hotel na pré-produção de “O Cavaleiro das Trevas” para compor o perfil e os detalhes da personalidade do Coringa. Durante pouco mais de um mês o ator aperfeiçoou a postura, o tom de voz e os olhares da personagem, escrevendo um diário sobre os sentimentos e emoções do Coringa para utilizar durante as filmagens. O resultado foi assustador. 

O diretor Christopher Nolan responsável pela direção de “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas” imaginou desde o início uma adaptação mais adulta e sombria do herói, sem imaginar que em seu segundo longa o vilão roubaria a cena.
Ledger que surgiu como um astro  em produções adolescentes como “10 Coisas que eu Odeio em Você” e  “Coração de Cavaleiro” não se acomodou e lutou para ser respeitado e reconhecido como ator, encarou papéis difíceis  e sofreu com a fama repentina. Antes de ser encontrado morto, o ator vivia uma vida pessoal conturbada, era dependente de remédios antidepressivos e se recuperava da recente separação em seu casamento com a atriz Michelle Willians, com quem teve uma filha, Matilda.

Marcado desde o nascimento, Ledger recebeu seu primeiro nome em homenagem a um dos personagens de “O Morro dos Ventos Uivantes”(Wuthering Heighs) de Emily Bronte, livro predileto de sua mãe; como se nascesse naquele dia o personagem de um drama que terminaria cedo.

Em seu último papel parecia a vontade com a responsabilidade de ser um coringa. Um bobo na corte de Hollywood, um ponto de interrogação em busca de uma resposta. A consagração póstuma e o reconhecimento pelo seu ótimo trabalho veio no dia 22 de fevereiro exatamente um ano e um mês após sua morte. A data mais importante do cinema no ano foi também o dia do coringa.

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