“Por que um corvo se parece com uma escrivaninha ?
Considerada uma das obras mais significativas da literatura mundial, o suposto livro para crianças, “Alice no País das Maravilhas” já virou desenho em 1951, foi revisitado e lançado para os cinemas em outra versão dos estúdios Disney, em uma corajosa releitura do diretor genial e maluco Tim Burton e continua ainda hoje sua saga de obra imortal atravessando gerações.
O livro publicado em 1865 traz aos leitores atentos diversos enigmas ligados diretamente a personalidade quase única de seu autor Charles Lutwidge Doogson - que assumiria posteriormente a alcunha Lewis Carroll.
A história oficial sobre a origem do livro versa que a personagem Alice era inspirada em uma amiga das irmãs mais jovens de Lewis e toda a narrativa teria surgido em uma tarde às margens do rio Tâmisa, aonde o autor contou para a jovem e suas irmãs a surpreendente história de uma garotinha que perseguiu um coelho branco de relógio e colete para dentro da toca que levava a um mundo de fantasias. Fato recorrente na vida do autor que, segundo afirmam seus historiadores, gostava de entreter crianças e adultos em longas tardes aonde narrava histórias "feitas na hora".
Muito já se foi falado sobre a obra que contém em suas linhas algumas citações quase incompreensíveis nos dias de hoje - referentes à cultura da era vitoriana, à supostos enigmas matemáticos e charadas insolúveis.
Minha impressão pessoal ao ler a obra é que se trata realmente da transcrição de um relato oral, e isso não deixa dúvidas. A história segue, apesar do absurdo, quase sem explicações para quem está do lado de cá, criando a impressão que realmente é necessário ter a idade de uma criança para exercitar a imaginação e não se perder na narrativa absurda que mistura animais falantes, cenas bizarras e situações sem nenhuma lógica aparente que saltam de um lugar para outro sem necessariamente oferecer um desfecho ou explicação para o assunto anterior.
Gostaria de deixar claro aqui que o filme de 1951, uma animação bastante competente, pouco diz a respeito das sensações e incômodos que surgem ao primeiro contato com a obra escrita. A versão original dos estúdios Disney parece uma tradução do livro para o universo infantil, deixando as coisas mais plausíveis e menos esparsas - apesar de cenas bastante fiéis ao original, como a da lagarta fumando narguilê sobre um cogumelo. Vale acrescentar que o filme também apresenta cenas baseadas no livro “Alice no País dos Espelhos”, seqüência da obra original.
Após encerrar a leitura da obra me perguntei: “Quem é esse cara ?”
Fiquei confuso. Lewis Carroll entregou ao público, ao meu ver, um livro tão nonsense como uma poesia de Bukowiski e que ainda hoje serve como referência a diversas citações pós-modernas, e todo mundo acreditou que era uma fábula como as de Esopo?
Sem essa! Carroll era um homem de intelecto diferenciado, matemático, professor em Oxford e freqüentador constante dos círculos de alta cultura de sua época.
Muitas são as teorias que cercam sua obra máxima. Alguns afirmam que a obra é didática e pedagógica, exercita a memória e o raciocínio lógico com a presença de enigmas e citações de poesias da era vitoriana, com introduções ao francês e estímulos deliberados ao imaginário criativo das crianças, sendo assim destinada realmente a um público infantil.
Outros que é uma metáfora que pode ser lida de diversas formas, mas que enfoca principalmente no crescimento e na transição da criança à vida adulta. A confusão mental de Alice ao crescer e diminuir diversas vezes durante o livro e sua dúvida em não saber exatamente quem é representariam a adolescência, por exemplo.
Os caçadores de bruxa ligam a obra ao lado obscuro da vida pessoal de Carroll que tinha o hábito duvidoso de fotografar meninas, entre 8 e 12 anos, nuas, seminuas ou em poses "estranhas" para se dizer o mínimo. Isso mesmo pessoal, para aqueles que ficavam horrorizados com alguns costumes de Michael Jackson, saibam que, em 1865, Carroll declarava abertamente que preferia a companhia de crianças; mais exclusivamente garotas. Cartas entre o autor e algumas meninas com quem ele se relacionava foram publicadas no livro “Cartas às Suas Amigas” e revelam um grau de intimidade no mínimo estranho.
Poucas fotos restaram para registrar para a história a estranha obsessão do autor; a maioria dos retratos foi destruída por ele, revelando uma certa parcela de culpa posterior.
Relatos afirmam que Lewis se sentia constrangido por esse hábito e só fotografava as meninas com a permissão das mães ou dos responsáveis pelas crianças.
Acredito que tudo que se fala sobre o livro tem sua parcela de verdade, menos a leitura ingênua de que ele é apenas uma obra dedicada ao público infantil.
Carroll, assim como todos nós, era humano, e tinha o direito a ser vil e permissivo na sua intimidade - o que contrasta um pouco com a nossa visão de que todo gênio de qualquer coisa tem que ser também um exemplo irrepreensível de conduta.
Lendo e relendo trechos de “Alice no país das Maravilhas” chego a conclusão que é exatamente o mistério que incomoda a nós adultos e a simplicidade da “não explicação” que encanta as crianças. Uma obra completa que prende gerações por motivos diferentes.
Se tivesse uma pergunta para fazer para seu autor
certamente não seria relacionada ao sentido real da obra ou à suas polêmicas e controversas predileções, esse é um charme que pertence ao mito do livro e não merece ser solucionado, mas sim: qual a resposta para o enigma do chapeleiro?
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