Texto originalmente publicado em 3 de março de 2009
"O maior prazer na vida consiste em fazer aquilo que os outros dizem que não se consegue fazer."
- Walter Bagehot
Sem grandes pretensões acabei por assistir ao filme “O Lutador”, aclamado pela campanha publicitária duvidosa como “A ressureição de Mickey Rourke” e tive uma grata surpresa. Não que o filme não seja dependente da interpretação quase que autobiográfica do ex-galã de “9 ½ s Semanas de Amor” que encarna, no sentido literal da palavra, o lutador veterano Randy “The Ram” Robinson, mas a obra como um todo funciona por mostrar o declínio de uma carreira vitoriosa de forma sensível sem nunca apelar para o sentimentalismo exagerado.
Lutadores que superam tudo pelo amor ao ringue sempre foram temas de filmes vitoriosos e redentores, o ápice do gênero foi atingido com o Oscar concedido a “Rock, Um Lutador”. Um bom filme, mas xtremamente superestimado, o longa levou seu protagonista Sylvester Stallone ao estrelato imediato e gerou continuações que não chegam aos pés do original. Bem diferente é a história de “O Lutador”, que não mostra a ascensão de seu protagonista, mas seu declínio.
Ídolo na década de 80, o personagem de Rourke, sofre com a idade, está falido e sem dinheiro, mas ainda colhe os louros de sua fama sendo adorado pelos lutadores mais jovens e pelos fãs que ainda relembram seu sucesso em lutas quase anônimas nos finais de semana.
Com a câmera na mão o diretor Daren Aranofsky, acompanha Randy de uma forma intimista, como se estivesse sempre próximo ao lutador, por trás de seus ombros ou alguns passos a sua frente, a câmera segue seu olhar e sem perceber estamos observamos o mundo da personagem central e toda atração que ele exerce.
O declínio tem inicio quando Randy sofre um ataque cardíaco após uma violenta luta e é obrigado a deixar os ringues. De forma desajeitada o ex-lutador tenta se adaptar a sua nova realidade, arruma emprego como atendente em uma loja local e passa a tentar uma reaproximação com sua filha.
Em um mundo claramente masculino, Randy só encontra palavras de conforto com Cassydy, uma stripper vivida por Marisa Tomei, que consegue entender as dificuldades de ressocialização do lutador.
Após algumas tentativas bem sucedidas de adaptação, o inevitável acontece, Randy não resiste a atração do ringue e cede a um retorno quase suicida que implode sua recém conquistada vida social. Sem nenhum julgamento de valores o filme fala sobre paixão e humanidade, sobre o tempo, sobre a passagem da vida e sobre como o ser humano não está preparado para lidar com tudo isso.
Se engana quem pensa que o filme é somente uma mensagem de superação ou lição de moral. Longe disso.
Ele fala sobre como todos estamos sujeitos a crueldade do tempo, não só Randy, mas Cassydy também sofre ao não conseguir clientes, que preferem outras strippers mais novas. Fala sobre a incomunicabilidade do ser humano, que sempre machuca as pessoas que mais ama e também sobre paixão, esse sentimento que toma de forma incontrolável nosso sistema nervoso central e nos faz correr riscos e superar limites.
“ O único lugar em que me machuco é lá fora” fala Randy ao retornar aos ringues. E de certa forma todos concordamos com ele, mesmo o infarto sofrido no inicio do longa, acontece nos bastidores, fora do ringue. Acostumado a vencer Randy fracassa com a filha e com a mulher que ama por não conseguir se desvencilhar de sua paixão pela luta livre.
Conduzido com uma trilha sonora rock´n´roll nos momentos mais autodestrutivos de Randy, a última luta fecha o longa com “Sweet Child O Mine” do Gun´s n´ Roses e oferece a todos o sentimento de que, na vida, não podemos fugir do que realmente somos.
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