domingo, março 13, 2011

Aprendendo Política com Patativa do Assaré

"Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim"
(Millôr Fernandes)

"Repare que a minha vida
É deferente da sua. A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte das obra da criação. 
Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.


(Cante Lá que eu Canto Cá - Patativa do Assaré)


A todos nós eleitores que a cada pleito provamos na urna o efeito, muitas vezes catastrófico, do modelo democrático fica aqui uma lição do finado Sr. Patativa do Assaré.

Antes de começar vejamos nossa situação atual. Após ciclos infindáveis que renovam o poder público e nacional com eleições de dois em dois anos, o povo não se cansa de reclamar e abrir o chororô em todas as escalas, sejam elas federais, estaduais ou municipais. 

Ninguém explica como a tartaruga subiu no poste. Todos olham para ela indignados e exclamam: “Desce daí sua sem-vergonha!” 

Mas ninguém busca a escada para tirá-la de lá. Ninguém se organiza para um ato concreto - que seja derrubar o poste.

E assim se renova o ciclo quase que perene de eleger e reclamar até as próximas eleições.
Para quem não sabe, Antonio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, além de poeta, compositor, músico popular e improvisador, tomou para si uma das tarefas mais árduas que se pode conceber em solo tupiniquim: a de esclarecer o povo.

Nascido em Assaré no Ceará, Patativa padeceu da sina comum de tantos severinos de sobreviver da agricultura e ser explorado pelo coronelismo. Ficou cego de uma das vistas muito cedo o que parece ter lhe garantido um dom de ciência e de compreensão, quase uma clarividência, capaz de enxergar muito além da aridez do nordeste, criando versos e histórias e transmitindo através da oralidade lições de democracia, sociedade e convivência humana.

Para quem torce o nariz e trata com preconceito os versos de Antônio, vale saber que ninguém no meio acadêmico conseguiu até hoje dissecar de forma completa a vida e a obra deste poeta reconhecidamente talentoso. A oralidade,marca maior de seu estilo, não compromete a distribuição das rimas organizadas de forma intuitiva em moldes camonianos, muitas vezes em sonetos de rimas clássicas, outras em décimas e sextilhas nordestinas.

O poder imagético de sua prosa e verso é tão fabuloso quanto didático.

Imaginem a cena. Um boi zebu todo suado querendo fugir do sol se esconde à sombra de m grande juazeiro. Sem perceber, ao parar, coloca as quatro patas em cima de um formigueiro.

As formigas, indignadas com o disparate, ordenadamente começaram a revolução. Uma a uma escalando, picando e atacando foram contra o boi zebu, que relutou em sair da sombra que tanto lhe protegia. Ao ver que não podia vencer as formigas, porque eram numerosas demais, abandonou a sombra do juazeiro derrotado.

Moral da história ? Vamos Minhas Camaradas Esse Boi Zebu é só um !

Contra  “boi-zebu-senador”,  “boi-zebu-prefeito” ou “boi-zebu-deputado”, mamando e descansando na sombra do imenso juazeiro que pode ser nosso país, estado ou município a lição é uma só.
Lição de democracia pela base. Muitos escolhem um, porque muitos são mais do que um. O poder está com a massa e não com a minoria, basta mobilizar e corrigir.

O grito da ave Patativa ecoava no mais árduo terreno político do país. O nordeste . E lá sem se intimidar as poesias e rimas viraram livros, cordéis, canções e atingiram o povo sofrido que aprendia um pouco, ao repetir sem saber ler, as rimas de “O Boi Zebu e as Formigas”, “Eu quero”, “O Operário e o Agregado”, “A Terra é Natura”, “Nordestino Sim, Nordestinado Não” e tantas outras.
Por isso a poesia de Patativa avançava em várias frentes.

Ensinava o povo a votar:
“Quero um chefe brasileiro /Fiel, firme e justiceiro /Capaz de nos proteger, /Que do campo até a rua /O povo todo possua /O direito de viver.”

A ser patriota:
“Eu quero o agregado isento/ Do terrível sofrimento/ Do maldito cativeiro,/ Quero ver o meu pais /Rico, ditoso e feliz / Livre do jugo estrangeiro.”

A separar religião de política:
“Não é Deus que nos castiga,/ Nem é a seca que obriga / Sofrermos dura sentença,/ Não somos nordestinados, / Nós somos injustiçados / Tratados com indiferença...
...Mas não é o Pai Celeste/ Que faz sair do Nordeste/ Legiões de retirantes, / Os grandes martírios seus / Não é permissão de Deus,/ É culpa dos governantes.”

E em último caso a se rebelar e exigir justiça contra o governante corrupto eleito.
“Com a feição de guerrêra /Uma formiga animada / Gritou para as companhêra:/ Vamo minhas camarada /Acaba com os capricho /Deste ignorante bicho/ Com a nossa força comum /Defendendo o formiguêro/ Nos somos muitos miêro /E este zebu é só um.”

Então formigaiada antes de reclamar da rotatória municipal, do presidente do senado, do deputado corrupto o ideal é todos nós lermos e ouvirmos um pouco do chiar de Patativa, e assim quem sabe, mobilizar e resolver alguma coisa. Seja nas próximas eleições ou ainda neste mandato não podemos esquecer:
“- Este Zebu é só um”




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