segunda-feira, novembro 06, 2006

A Caverna - José Saramago




















"Não fui desses gênios que, aos 4 anos de idade, escrevem histórias. Apenas via as coisas do mundo e gostava de vê-las., Nunca fui de grandes imaginações. Eu não me interessava por fantasias, mas pelo que ocorria. A imaginação, o que dizer a respeito dela? Meus livros estão aí para provar que a tenho. Mas é uma imaginação que está sempre a serviço da razão. Meus livros se caracterizam por uma imaginação forte, mas sempre usada de forma racional. Posso formular assim: a imaginação é o ponto de partida, mas o caminho a partir daí pertence à razão."




Saramago, mudanças e uma flor silvestre - Texto por Luiz Romano Locali

“Uma florzinha silvestre que nasce dos escombros”, explica José Saramago sobre o significado de seu sobrenome.
E seria um comentário bastante plausível também para o sentido que vejo em uma de suas obras que particularmente mais gosto: “A Caverna”.
Os escombros são as mudanças que acontecem ao longo dos nossos dias, e a “florzinha” que sobrevive em meio a destruição nada mais é do que o símbolo de superar e se adaptar a uma nova condição. É ao redor disso que gira a história criada pelo português José Saramago nesse primeiro romance pós-Nobel. Mesmo assim, o escritor nega um caráter ideológico ao romance, apenas afirma que a obra faz com que pensemos para onde vamos.
Para começar, tem que se ter em mente alguns aspectos. Se você resolver ler esse livro, não espere encontrar referências como cidades, países. Há a cidade, e há o interior, e nenhum deles tem nome. Há uma grande loja de departamentos, o Centro Comercial. E apenas os personagens principais têm o privilégio de uma alcunha; o restante é um elenco de tipos sociais, como o chefe de departamento e o gerente do Centro.
O mundo está em constante mudança e os avanços do fim do século XX acabaram forçando transformações na vida de milhões de pessoas. O viúvo Cipriano Algor não é uma exceção; oleiro cuja visão não vai além do seu grande forno e dos vales por onde passa quando entrega seus pratos e tigelas no Centro Comercial, é pego de surpresa quando o plástico substituiu seus utensílios de barro. Está desenhado o hospedeiro perfeito para uma crise existencial entre os valores capitalistas e as verdades simples e diretas do campo.
Ainda há Marta e Marçal, respectivamente filha e genro de Cipriano. Ela mora com o pai e é uma mulher que não se deixa abalar facilmente, raciocinando sempre de modo a superar os problemas, buscando o passo além. Marçal, ao contrário, acredita ser sábio e em que a solução para os problemas do casal (e do sogro) é a mudança da família para o Centro Comercial, pois seu emprego de segurança lhe garantia um apartamento dentro das dependências do Centro.
O tempo todo há essa balança oscilando entre o vazio causado pela não mais existência do mundo que Cipriano conhecia (sua profissão de oleiro), e a convicção de seu genro de que não há sentido em viver longe do conforto e das facilidades da vida moderna. A seu modo, cada um teme as mudanças e preferiria que o mundo continuasse como eles o conhecem.
Marta nesse aspecto funciona como grande contraponto e como elo de ligação entre a apatia pós-mudança e a reação. É ela que preserva a “florzinha silvestre que nasce dos escombros”.
Ao longo da narrativa ainda surgem o cão Achado – “o mais humano dos cães” – e a viúva Isaura. Os dois elementos são importantes pois vão dar o toque de doçura e leve romantismo que deixa a obra deliciosa. Passagens como as conversas de Cipriano com Achado são verdadeiras lições de vida.
O final do livro é surpreendente e o enredo é a discussão do que podemos fazer quando a vida nos impõe algo, ou para onde vamos no momento de crise.
Enfim, Saramago tem essa característica: apesar dos temas serem extremamente sérios, os seus textos têm uma leveza impressionante. Mas atentem: me refiro a uma leveza no trato e na construção das orações, fazendo o leitor digredir e amenizando assim a seriedade dos assuntos. Porém, para alguns leitores isso incomoda e pode ser uma dificuldade. O jeito como ele insere os diálogos também é peculiar e não há travessões ou aspas, as falas estão no texto diferenciadas apenas por uma letra maiúscula.
De qualquer modo, é uma boa leitura e depois que nos acostumamos com a maneira dele escrever, tudo fica mais fácil. Recomendo também “Ensaio sobre a Cegueira” e “Intermitências da Morte”.



Bibliografia do Autor Aqui

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