"A constância de ânimo, com paz e tranqüilidade, não só enriquece a pessoa, como a ajuda muito a julgar melhor as adversidades, dando-lhes a solução conveniente."
(São João da Cruz)
“O Monge e o Executivo” surgiu em meu caminho de maneira diferente, não foi uma escolha, fui de certa forma forçado a ler a obra de James C. Hunter para auxiliar um amigo em uma pesquisa de faculdade.
Antes de ler o best-seller procurei algumas informações em críticas e resenhas espalhadas em publicações impressas e na Internet e a grande maioria apontava o livro como um achado. O preferido de milhares de anônimos no orkut , de algumas centenas de executivos de sucesso e de pelo menos meia dúzia de bilionários que dirigem grandes conglomerados financeiros. O mais lido em x países, líder de vendas no Brasil por y semanas, traduzido até para o malaio.
Parti para a leitura e dois dias foram suficientes para terminá-la - mas confesso que levei um tempo bem maior até conseguir digerir o conteúdo e formatar minha opinião a respeito.
Em um primeiro momento o livro parece ter uma clara definição de seu público alvo: Gerentes e administradores em posições de liderança que precisam diariamente se relacionar com um grande número de funcionários. Na prática a obra mostrou possuir um público mais abrangente e acabou fazendo um grande sucesso entre a massa de leitores convencionais que buscavam extrair das páginas do livro lições para o dia-a-dia ou ainda “receitas” de como se tornar um líder. Observe o disfarce.
A narrativa gira em torno das experiências do gerente-geral John Daily e de um grupo de pessoas de diferentes classes e personalidades em um retiro de uma semana no mosteiro São João da Cruz.
Durante a estada o monge Simeão, um ex-executivo de sucesso, tentará oferecer à todos lições sobre liderança e convivência. A partir desse momento tudo são atalhos.
A figura de um monge e de um mosteiro são os superlativos implícitos para um professor e uma sala de aula, trazem noções de valores e sabedoria que seriam difíceis de traduzir ou levariam páginas demais para serem expostos. A sala é um conjunto limitado de personagens quase caricatas e sem profundidade que realizam de forma mecânica seus objetivos na narrativa. Alguns contrariam, alguns concordam e outros completam as lições que se estendem por aulas em seu formato clássico, descritas através de capítulos didáticos e diretos. O “antagonista” representado pela figura do Sargento Greg possui um comportamento “militar” estereotipado que beira o risível, cabe a ele discordar sempre para que a “aula” tenha seu andamento e que conceitos de liderança sejam apresentados sob a forma de palavras como: amor, autoridade, servidão, ambiente, paciência entre outras.
Perceba que o argumento de crescimento pessoal e profissional expressado no livro dá uma ênfase às questões emocionais das personagens. O conflito vivido pelo protagonista é de ordem familiar e não profissional e as “lições” do Monge para o Executivo giram em torno de adequar emoções, controlar sentimentos e corrigir falhas de relacionamento. Problemas que todos temos com soluções que podemos ao menos tentar.
De alguma forma fica implícito que seremos pessoas mais bem sucedidas financeiramente e atingiremos um patamar de liderança em nossa vida profissional se resolvermos primeiro nossos problemas pessoais e, sobretudo, de comportamento. Não que isso seja uma falácia, mas cai como uma meia verdade pouco sincera.
È óbvio que a sociedade não permite que todos sejam líderes, e sugerir que todos se comportem como tal é uma forma de oportunismo.
O resultado é o livro ideal para o patrão - que percebeu que é ótimo indicá-lo para seus subordinados. O funcionário se empenhará cada dia mais em seu emprego e mostrará iniciativa de um líder com um salário de plebeu, não reclamará, será dócil gentil e dedicado, buscará sua promoção através do merecimento de seu suor e de sua competência, gerando assim uma fábrica inteira de postulantes à um cargo que não está a disposição. Todos se imaginam o grande líder de amanhã.
Sou a favor do esclarecimento geral, apóio (quase) todo tipo de leitura, mas faço questão de desaprovar aquelas que causam retrocesso ou algum tipo de desilusão e desapontamento. Não custava esclarecer um pouco mais as coisas, delimitar melhor o público alvo, e ser sincero que a obra não resolverá nada sozinha na vida de ninguém. Não estou dizendo que o livro foi um caça-níqueis planejado, nem duvido aqui da idoneidade do autor, mas de boas intenções o inferno está cheio...
Em um país desigual como o Brasil, as mais de 700 mil cópias vendidas de “O Monge e o Executivo” podem gerar do dia para a noite meio milhão de cidadãos frustrados por não serem líderes seguindo sua receita, e tudo somente porque não compreenderam exatamente as mensagens do livro.
Portanto posso enumerar aqui argumentos diversos para não recomendar o livro, de sua construção ao seu conteúdo, mas na realidade o verdadeiro motivo é apenas um: é errado criar falsas esperanças.
Comentários:
Postar um comentário