sábado, abril 09, 2011

Cisne Negro - Black Swan


  

"Ela dança as fases da lua tece vento e o ar rodopia..." (A Fada Azul - Oswaldo Montenegro)

Exuberante.

Como analisar Cisne Negro? Um filme tão complexo quanto exuberante, capaz de atrair e afastar a platéia ao propor um thriller psicológico que têm como plano de fundo um espetáculo erudito.

A história gira em torno de uma montagem da peça de balé “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, aonde um grupo dirigido por Thomas Leroy(Vincent Cassel) vive a expectativa da escolha de uma nova protagonista que substituirá Beth Macintyre(Winona Rider) descartada pela idade e por não atrair mais o grande público para as exibições. Buscando a conquista do maior papel de sua vida Nina Sayers(Natalie Portman), uma bailarina talentosa e tecnicista ao extremo, começa a sofrer as pressões da luta pelo seu lugar ao sol, e quando o conquista, da pressão por mantê-lo.

Em paralelo presenciamos a chegada de Lily(Mila Kunis) uma nova bailarina que entra no grupo esbanjando carisma, sensualidade e espontaneidade, características que faltam na personalidade infantilizada de Nina.

Adicione a esse ambiente já tumultuado a onipresença de Erica, mãe da protagonista, que persegue a própria filha e projeta nesta a infelicidade e paranóia pelo sucesso que não obteve em seu passado.
Junte todo esse conteúdo e entregue ao diretor certo que a receita de um thriller psicológico azedo e fabuloso será infalível. E este é o caso.

Aranofsky não é um diretor fácil. Genioso não oferece atalhos para seu público e exige mais que atenção,exige dedicação. Da mesma forma aqueles que se entregam aos detalhes de seus filmes não se arrependem e saem com uma experiência cinematográfica no mínimo surpreendente.

Assistir Cisne Negro é exaustivo, como a rotina das bailarinas, que se entregam de forma paranóica  a dança. No raspar das sapatilhas, no estalar dos dedos, no alongar de cada fibra, no vomito e na bulimia, do corpo medido com fita métrica e nos ensaios repetidos a exaustão inclusive no filme; Aranofsky nos entrega um ambiente psicologicamente perturbado, repleto de pressões e escravo do rigor técnico - e estar nesse ambiente é uma experiência compartilhada também com o público.

Portman está fantástica. Sua performance é a chave para todo o arco dramático da narrativa. Sua mudez ou sua fala vacilante, a dificuldade acentuada na articulação de frases entre outros detalhes mostram a sua maneira de encarar o mundo, na verdade de ser oprimida por ele. Sexualmente retraída, infantilizada, morando com a mãe sem direito a privacidade em um quarto rosa que bem poderia pertencer a uma menina de 14 anos, Nina é o cisne branco perfeito para a peça em construção. Seu rigor técnico e seu semblante angelical e casto fazem com que sua performance seja irretocável, mesmo que desprendida de certa emoção. O problema aparece na entrada do Cisne Negro que dá nome ao filme. O papel exige sensualidade, interpretação, arrogância, confiança e muitas outras características que incomodam a personalidade de Nina causando um bloqueio enfrentado a base de paranóia.

E essa pressão incentivada por um obstinado Cassel acaba desmoronando sobre a personagem interpretada por Kunis. Ora vista como amiga, ora como algoz é difícil saber exatamente quando entra em cena a Lily real ou aquela que só existe nos olhos de Nina.

Percebemos que sexualmente, seja retirando uma calcinha sob o vestido ou indo as vias de fato, Lily é tudo o que Nina não se permitiu ser. Essa contradição passa a ser projetada no sentido inverso, de dentro para fora de Nina que em certo momento não diferencia mais realidade e ilusão, não se sabe se Lily está em sua mente ou no mundo real.

Cassel e Rider  colaboram como as duas principais artérias emocionais que sobrecarregam a protagonista. Leroy nunca está satisfeito e não desiste de tentar despertar o cisne negro presente em Nina. Ele sintetiza as pressões do grupo de balé e a extrema concorrência pelo papel principal enquanto Macntyre simboliza a decadência do belo e o peso inevitável da idade que uma hora ou outra encerra a carreira de uma bailarina independente de sua excelência técnica.

O filme têm ainda muitos aspectos semióticos interessantíssimos. O constante uso do branco e do negro que muitas vezes delimita a realidade “clara” dos momentos felizes de Nina, com as sombras de seus temores e pesadelos evidenciados inclusive na maquiagem que acompanha a imersão dos delírios da protagonista no “escuro”. Perceba que até a escolha de Kunis não foi ao acaso, sua tez morena é também o oposto da palidez de Portman.

Para encerra deixo aqui o que foi para mim a sutil presença da genialidade da câmera de Aranofsky. O espelho é o elemento unificador da história. Sempre presente, revela o olhar perturbado de Portman, mas não consegue revelar seu interior, acompanha as bailarinas, os ensaios, está no camarim, no banheiro, em qualquer lugar como um expectador onisciente. Em muitos momentos cabe a ele o papel de trazer à trama o suspense quando a imagem que reflete contradiz o real.

Em seu momento de maior brilhantismo participa do clímax da produção e encerra seu papel como arma do crime, faca de vidro que reflete.




A dança final é fantástica e mostra de forma assombrosa a transformação de Portman na bailarina perfeita, cisne negro e branco em sintonia. O único momento de real felicidade de sua protagonista fica para os passos finais quando ela se sente enfim aceita diante de todos.

Para quem assistiu o filme me permitam concordar: sobe a trilha, sons de aplausos em crescente.
Um murmúrio: Perfect. 


Comentários:

 
Tema para Blogger Mínima 233
Original de Douglas Bowman | Modificado por :: BloggerSPhera ::