domingo, abril 10, 2011

The Walking Dead





Zumbis? Há muito tempo os mortos-vivos não metem medo e citar hoje a palavra pouco significa para o agonizante cenário dos filmes de horror.

Isso até a feliz chegada de “The Walking Dead” a série produzida pela AMC que colecionou sucessivos recordes de audiência na televisão à cabo nos Estados Unidos. O último episódio teve nada menos do que 6 milhões de telespectadores, um número absurdo para os padrões de produções normais.

Lutando contra o improvável abismo que existe entre o cinema e a televisão a série surpreendeu ao mostrar que a aposta no seguimento, que se mostrava agonizante de cérebro e idéias no cinema(“Resident Evil e “Quase Todo mundo Morto” não dá né?), era válida em outro formato.

Com a mão certeira de Frank Darabont(“Um Sonho de Liberdade”, “Á Espera de um Milagre”) por trás do projeto, a primeira temporada agradou aos telespectadores e a crítica, e apesar de ter apenas seis episódios, já mobilizou fãs suficientes para garantir sua sobrevivência por mais um ano.

Baseada nas hq´s de Robert Kirkman, a série tem uma produção cheia de estilo, uma fotografia competente e uma equipe de maquiagem capaz de “zumbificar” seu elenco de forma bastante convincente - o que é essencial em uma era aonde nada mais surpreende quando o assunto são efeitos especiais/visuais.


Os clichês estão presentes, mas sempre com algo a mais e isso fica claro desde o primeiro episódio. Se existem balas e sanguinolência, existe também um teor emocional embutido nas cenas. Os zumbis não são exatamente “mortais”, “famintos” e “perigosos”; na realidade um ser humano normal com um taco de beisebol consegue derrubar sem dificuldade um morto vivo. O medo está baseado na falta de esperança e no desespero da perda de pessoas queridas para o estado de pós-morte.

Uma contaminação global fez com que o número de zumbis superasse em muito o número de seres humanos. As cidades estão desertas, não existem governos e quase nenhum grupo organizado de sobreviventes. Arrumar água, alimentos e abrigo é um problema sério. Quase todas as personagens presenciaram a morte de alguém de suas famílias e isso inclui velhinhos e crianças. Não existe pista sobre a cura da “doença” que transforma seres humanos em zumbis, só se sabe que ela age no cérebro e que qualquer um mordido, arranhado ou exposto ao sangue dos mortos-vivos está condenado.

Nesse cenário ressurge com maestria a boa e velha temática que sinceramente pensei estar obsoleta para o telespectador moderno.

A indústria do medo fantástico está em declínio já há algum tempo. Nossas crianças já crescem informatizadas e com menos de dez anos já trucidam monstros (e humanos!) em vídeo games de alta geração. Não existe mais o fascínio pelo sobrenatural e sim uma racionalidade excessiva. Não tememos vampiros, lobisomens e monstros, mas o stress, o infarto e a síndrome do pânico.
Para uma geração significativa, que responde por grande parte das receitas dos cinemas, após “Harry Potter” e mais recentemente “Crepúsculo”, vampiros, bruxos e outros seres sobrenaturais se tornaram “bacanas”, despertam admiração e curiosidade – e não medo. Pode?

Dito isto, acredito que “The Walkng Dead” aposta justamente aonde outros falharam. No medo do desconhecido.

Sem essa de temer o camarada maquiado que se arrasta em sua direção. Não existe o medo do óbvio ou da escatologia presente em cenas de violência explícita.
A morte é sempre a razão final de todos os temores e a série usa e abusa disso. Poderiam ser zumbis, ou apenas um vírus mortal, mas o que desmorona a racionalidade do ser humano e apela para seus mais primitivos instintos de medo é a sensação perene de perigo.

Tanques de guerra, arsenais nucleares, laboratórios de última geração, nada foi capaz de impedir a morte de avançar sobre milhões, talvez bilhões, de pessoas que agora caminham sem nenhuma lembrança do que um dia foram.

Falhar e falhar consecutivamente na simples tarefa de sobreviver é esse o fardo carregado pelos sobreviventes de “The Walking Dead”.



Confesso que não senti medo em nenhum episódio, mas um desconforto, uma impaciência e uma série de frustrações contínuas que não sei o que são. As cidades desabitadas são no mínimo perturbadoras.

Se o sonho dos adolescentes hoje é entrar no mundo de “Crepúsculo”, nosso “terror” moderno, de uma coisa eu tenho certeza: não trocaria minha poltrona pela vida pós-apocalíptica de “The Walking Dead” nem que a Krirsten Stewart me chamasse usando só um baby doll.

E isso é mais do que suficiente para temer.

sábado, abril 09, 2011

A Rede Social - Social Network




O assunto é propício, a realização coerente e suas personagens são reais, mas, muito além disso, “A Rede Social” tem algo em seu DNA que o torna mais que um grande filme: um retrato fiel sobre a modernidade e as relações sociais.

A história aparentemente não tem começo nem fim, não tem clímax, poucas cenas de romance, nenhuma de ação ou suspense...As personagens transitam sobre o imã central da trama o criador(ou um dos criadores) do “Facebook”, Mark Zuckerberg e sua forma pouco convencional de lidar com pessoas, relacionamentos e situações. Como explicar então o sucesso formidável da obra como um todo?

Não se engane. Do início ao fim, o filme é bem construído, ao começar pelo roteiro que amarra cada personagem e prende tudo ao redor da história e do conflito que acabou nos tribunais na disputa pela autoria da “idéia de ouro” que deu origem a rede social mais popular do mundo. A narrativa transcorre fluída e em nenhum momento existe o protagonismo desse ou daquele elemento individual.

David Fincher encontrou um equilíbrio perfeito para sua câmera, que antes adaptada ao ritmo frenético dos vídeo clips, agora se encontra quase documental. Um elemento régio, parte do cenário sob este ou aquele ângulo, que registra de forma imparcial e silenciosa a ação das personagens. Se fosse necessária uma palavra para descrever a direção do filme seria: imparcial. Duas? Imparcial e discreta.

Bem diferente de outros filmes que cheios de rebusques e ângulos rocambolescos chamam a atenção para a figura do diretor, podemos dizer que no caso de “A Rede Social” menos é mais.

O elenco é um dos principais, se não o principal, trunfos do filme que necessitava de uma atuação impecável para dar cor e brilho a história de personagens que além de reais ainda estão vivas e jovens. Imagine o fiasco de uma atuação medíocre?

Jesse Aisenberg, como Zuckerberg, Andrew Garfield como o brasileiro Eduardo Saverin e Armie Hammer como os gêmeos Cameron Winklevoss/Tyler Winklevoss conseguem sem preciosismo ressaltar cada elemento da personalidade de seus alteregos. Ponto para quem selecionou o elenco. Surpreendente inclusive a participação do ex-Spears e boy singer Justin Timberlake que não compromete ao interpretar Sean Parker, o criador do Napster.

Difícil definir aqui e ainda mais explicar para quem lê sem ter assistido a relevância da produção como obra cinematográfica. O filme não é necessariamente entretenimento e também não é um tratado sociológico ou antropológico apesar de transitar por vários desses caminhos.

O que vemos apesar da frieza dos fatos e da luta judicial que rondou os criadores do “Facebook” são ações e reações exclusivamente humanas.

A esperteza de um escroque intelectual mulherengo como Sean Parker mostra que nem sempre intelecto significa sucesso. A amizade de Zuckerberg e Saverin mostra como as vezes é complicado o relacionamento entre pessoas que por sua genialidade acabam criando formas próprias de auto-defesa. O protagonista inclusive se mostra arrogante, inescrupuloso, invejoso e em muitos momentos quase psicótico, parece impossível convencê-lo da necessidade de outros seres humanos.

Os gêmeos Winkelevoss também oferecem um contraponto interessante a história. São ricos, populares e pertencem a nata intelectual e esportiva de Harvard. São “enganados” por Zuckerberg que acaba “adaptando” uma idéia original e criando nas suas costas o “Facebook”.Sem mocinhos ou bandidos esse episódio é retratado como é. O facebook não existiria sem um ou sem outro.

Deixo aqui para encerrar a cereja do bolo. A cena que me causou um grande encantamento e ganhou minha torcida pelo sucesso do filme.

A última cena mostra Zuckerberg solicitando via “facebook” a permissão de amizade de sua ex-namorada. Ele atualiza a cada segundo repetitivamente a tela de seu monitor.

Com isso lembramos que o filme tem inicio com o término da relação dos dois, com a vendeta de Zuckerberg que insultou em seu blog a ex-namorada e decidiu criar um aplicativo para irritar as mulheres do campus comparando seus atributos. Dessa experiência surge tudo. 


 Refaço aqui um comentário escrito no começo deste texto. Depois da cena final conseguimos visualizar o inicio o meio e o fim(que sempre estiveram lá) e percebemos que as grandes histórias, reais ou não, famosas ou não, envolvem inevitavelmente homens e mulheres, relacionamentos e suas conseqüências. Alguém que aperta repetitivamente uma tecla em busca de um amor, uma amizade...etc.

Difícil imaginar que o “Facebook” surgiu porque alguém brigou com a namorada, ou porque era um nerd excluído em busca de aceitação, mas nem tudo precisa ser complicado como a gente imagina. Afinal uma rede social de duas ou de duas mil pessoas fala sobre a mesma coisa: comunicação.

Cisne Negro - Black Swan


  

"Ela dança as fases da lua tece vento e o ar rodopia..." (A Fada Azul - Oswaldo Montenegro)

Exuberante.

Como analisar Cisne Negro? Um filme tão complexo quanto exuberante, capaz de atrair e afastar a platéia ao propor um thriller psicológico que têm como plano de fundo um espetáculo erudito.

A história gira em torno de uma montagem da peça de balé “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, aonde um grupo dirigido por Thomas Leroy(Vincent Cassel) vive a expectativa da escolha de uma nova protagonista que substituirá Beth Macintyre(Winona Rider) descartada pela idade e por não atrair mais o grande público para as exibições. Buscando a conquista do maior papel de sua vida Nina Sayers(Natalie Portman), uma bailarina talentosa e tecnicista ao extremo, começa a sofrer as pressões da luta pelo seu lugar ao sol, e quando o conquista, da pressão por mantê-lo.

Em paralelo presenciamos a chegada de Lily(Mila Kunis) uma nova bailarina que entra no grupo esbanjando carisma, sensualidade e espontaneidade, características que faltam na personalidade infantilizada de Nina.

Adicione a esse ambiente já tumultuado a onipresença de Erica, mãe da protagonista, que persegue a própria filha e projeta nesta a infelicidade e paranóia pelo sucesso que não obteve em seu passado.
Junte todo esse conteúdo e entregue ao diretor certo que a receita de um thriller psicológico azedo e fabuloso será infalível. E este é o caso.

Aranofsky não é um diretor fácil. Genioso não oferece atalhos para seu público e exige mais que atenção,exige dedicação. Da mesma forma aqueles que se entregam aos detalhes de seus filmes não se arrependem e saem com uma experiência cinematográfica no mínimo surpreendente.

Assistir Cisne Negro é exaustivo, como a rotina das bailarinas, que se entregam de forma paranóica  a dança. No raspar das sapatilhas, no estalar dos dedos, no alongar de cada fibra, no vomito e na bulimia, do corpo medido com fita métrica e nos ensaios repetidos a exaustão inclusive no filme; Aranofsky nos entrega um ambiente psicologicamente perturbado, repleto de pressões e escravo do rigor técnico - e estar nesse ambiente é uma experiência compartilhada também com o público.

Portman está fantástica. Sua performance é a chave para todo o arco dramático da narrativa. Sua mudez ou sua fala vacilante, a dificuldade acentuada na articulação de frases entre outros detalhes mostram a sua maneira de encarar o mundo, na verdade de ser oprimida por ele. Sexualmente retraída, infantilizada, morando com a mãe sem direito a privacidade em um quarto rosa que bem poderia pertencer a uma menina de 14 anos, Nina é o cisne branco perfeito para a peça em construção. Seu rigor técnico e seu semblante angelical e casto fazem com que sua performance seja irretocável, mesmo que desprendida de certa emoção. O problema aparece na entrada do Cisne Negro que dá nome ao filme. O papel exige sensualidade, interpretação, arrogância, confiança e muitas outras características que incomodam a personalidade de Nina causando um bloqueio enfrentado a base de paranóia.

E essa pressão incentivada por um obstinado Cassel acaba desmoronando sobre a personagem interpretada por Kunis. Ora vista como amiga, ora como algoz é difícil saber exatamente quando entra em cena a Lily real ou aquela que só existe nos olhos de Nina.

Percebemos que sexualmente, seja retirando uma calcinha sob o vestido ou indo as vias de fato, Lily é tudo o que Nina não se permitiu ser. Essa contradição passa a ser projetada no sentido inverso, de dentro para fora de Nina que em certo momento não diferencia mais realidade e ilusão, não se sabe se Lily está em sua mente ou no mundo real.

Cassel e Rider  colaboram como as duas principais artérias emocionais que sobrecarregam a protagonista. Leroy nunca está satisfeito e não desiste de tentar despertar o cisne negro presente em Nina. Ele sintetiza as pressões do grupo de balé e a extrema concorrência pelo papel principal enquanto Macntyre simboliza a decadência do belo e o peso inevitável da idade que uma hora ou outra encerra a carreira de uma bailarina independente de sua excelência técnica.

O filme têm ainda muitos aspectos semióticos interessantíssimos. O constante uso do branco e do negro que muitas vezes delimita a realidade “clara” dos momentos felizes de Nina, com as sombras de seus temores e pesadelos evidenciados inclusive na maquiagem que acompanha a imersão dos delírios da protagonista no “escuro”. Perceba que até a escolha de Kunis não foi ao acaso, sua tez morena é também o oposto da palidez de Portman.

Para encerra deixo aqui o que foi para mim a sutil presença da genialidade da câmera de Aranofsky. O espelho é o elemento unificador da história. Sempre presente, revela o olhar perturbado de Portman, mas não consegue revelar seu interior, acompanha as bailarinas, os ensaios, está no camarim, no banheiro, em qualquer lugar como um expectador onisciente. Em muitos momentos cabe a ele o papel de trazer à trama o suspense quando a imagem que reflete contradiz o real.

Em seu momento de maior brilhantismo participa do clímax da produção e encerra seu papel como arma do crime, faca de vidro que reflete.




A dança final é fantástica e mostra de forma assombrosa a transformação de Portman na bailarina perfeita, cisne negro e branco em sintonia. O único momento de real felicidade de sua protagonista fica para os passos finais quando ela se sente enfim aceita diante de todos.

Para quem assistiu o filme me permitam concordar: sobe a trilha, sons de aplausos em crescente.
Um murmúrio: Perfect. 


O Vencedor - The Fighter



"... In the clearing stands a boxer
And a fighter by his trade
And he carries the reminders
Of ev'ry glove that layed him down
Or cut him till he cried out
In his anger and his shame
"I am leaving, I am leaving"
But the fighter still remains
Lie la lie..."

(Simon and Garfunkel - The Boxer)

O lutador de boxe é uma figura icônica. Quase todos campeões que triunfaram sobre os ringues e levantaram um cinturão mundial possuem uma história de superação marcante na trajetória que tornaram seus punhos os mais temidos de uma época.

Mick Ward não foi diferente. Campeão dos pesos médios em 2000 teve sua história narrada no filme “O Vencedor”(The Fighter) que concorreu ao Oscar de Melhor Filme.

A “profissão” de lutador é bem diferente da luta praticada como esporte e isso influencia muito a história de seus protagonistas. A grande maioria dos homens e mulheres que aceitavam entrar em um ringue para trocar socos com um adversário arriscando com isso sua integridade física não o fazia pela simples arte de competir, mas por algo mais, geralmente por sobrevivência ou por uma vida melhor longe da miséria dos subúrbios.

Trabalhadores braçais, jovens pobres, imigrantes longe de casa, marginalizados e excluídos por preconceitos raciais de cor ou credo, era essa a matéria prima que gerou grandes campeões de boxe, que lutavam contra os próprios destinos antes de nocautear o lutador do outro corner.

Ward lutava contra inimigos invisíveis que quase destruíram sua carreira. Filho de uma conturbada família de imigrantes irlandeses, viveu sob a sombra de seu irmão mais velho, o também ex-boxeador Dick Ecklund, adorado no microuniverso familiar e bairrista por tudo o que quase foi ao protagonizar um embate histórico contra a lenda Sugar Ray Leonard.

Esse embate serve como assunto recorrente nas linhas do roteiro que mostram toda a frustração de Ward que não consegue ser protagonista de sua própria carreira ofuscado pelo irmão - que é na realidade a ovelha negra da família.

Ecklund jogou pelo ralo uma carreira promissora e se entregou ao vício do crack. Passou a viver como junkie que dividia seu tempo treinando Ward e gravando um documentário sobre a decadência dos viciados para um canal de TV que alimentava seu estilo de vida com uns trocados em troca de sua imagem. Nessa rotina é visível a diferença de personalidades dos irmãos que parecem uma parábola do filho pródigo atualizada.

O mais velho nesse caso é aquele que gastou todos seus bens(nesse caso seus dons) e partiu para uma jornada de satisfações pessoais retornando para a família quando percebeu estar no fundo do poço.

Ward  é o bom irmão, ajuizado, obstinado em seus treinos, trabalhador, e dedicado não somente aos planos que traçou para ele, mas para todos aos quais ama. Seu sonho não é pessoal, mas coletivo, a luta pelo cinturão é uma causa de família derivada da trajetória frustrante de Ecklund. Até sua postura no ringue reflete isso, Ward resistia a mais pancadas que um lutador comum, batia igual, mas agüentava mais - lembrando um pouco inclusive Jake La Motta.

Nessa relação é clara a predileção da mãe pelo filho mais velho, que é de certa forma “mimado” com uma proteção e veneração que ignora suas idas e vindas recorrentes à cadeia.

Assim como os grandes acontecimentos que marcam a história mundial, e em um recorte particular, a história de qualquer esporte, conhecemos apenas a visão dos vencedores, aquele que por um motivo ou outro se destacaram dos ordinários e medíocres delegados ao esquecimento. E Ward sabia disso. Compreendia que para ser mais que um herói de bairro, como seu irmão teria, que travar lutas pessoais dificílimas antes de subir no ringue e destroçar as costelas de seus adversários. E isso significaria ser duro e até renegar a mãe e o irmão pelos quais possuía legítima adoração.

A história só foi para as telas pela dedicação do ator Mark Walbergh, que além de produzir o longa ficou com o papel principal.

O resultado? Um filme sensato, sem muitos floreios, mas com escolhas certas.

As câmeras são antigas, no sentido literal da palavra. Opção do diretor David O´Russel que imaginou que somente dessa forma conseguiria o efeito planejado que funciona de forma magnífica.

Apoiado por uma fotografia com luzes frias e um movimento constante de câmera sem apoio(a famosa “mãos a obra”) o filme muitas vezes adquire uma cara de documentário.

As excelentes atuações de Melissa Leo como Alice, a mãe do lutador, e de Christian Bale como Ecklund, sustentam a ausência de brilho pessoal de Ward/Walbergh, repetindo no casting as linhas do roteiro. Tanto que ambos receberam com justiça os Oscars de ator/atriz coadjuvante pelo filme.

Acertadamente, “O Vencedor” retrata mais do que apenas a carreira de Ward, mas todo o drama ao redor dela.

Na construção e eficácia não chega aos pés de “Touro Indomável”, e essa comparação, apesar de injusta é necessária, porque sempre é a primeira que surge quando um filme sobre boxe é lançado.

A história é previsível por natureza: começo difícil, ápice redentor. Com um número necessário de clichês e uma quantidade reduzida de cenas de luta de qualidade, o filme vence, como diz o título, não por falar de boxe ou de um ex-campeão, mas por falar de alguém que lutou contra um destino medíocre para se tornar algo mais e cravar seu nome na história.

Vencer não é um resultado, mas um processo.

Bravura Indômita - True Grit (2010)


 
"- Who's the best marshal they have?
- Bill Waters is the best tracker.
                   
The meanest one is Rooster Cogburn,
double-tough, knows no fear.
                    
L T Quinn is the straightest.
He brings them in alive.
                  
- Where would I find this Rooster?
- At the Federal Court this afternoon."
"- Mr Rooster Cogburn?
- What is it?

   
                   
I'd like to talk with you a minute.
They say you're a man with true grit."


Faroeste ou Road Movie?

Parece bobagem discutir esse ponto de vista diante da realização tão bem executada do remake da década de 60, “Bravura Indômita”, que nas mãos hábeis dos irmãos Cohen transformou-se de forma prodigiosa em um amálgama de humor negro, western e atuações harmoniosamente convincentes.

A primeira vista, parece que tudo caminha para uma tradicional(e deliciosa) história de faroeste americano. A jovem Mattie Ross(Hailen Steinfeld) obcecada por vingar a morte de seu pai, contrata o oficial beberrão em decadência Rooster Cogburn(Jeff Bridges) para perseguir o pilantra Tom Chaney(Josh Bronlin). No rastro do bandido, correndo por fora o “Texas Ranger” La Boeuf(Matt Dammon), tropeça na dupla e tenta tirar vantagem dos talentos de “rastreador” de Cogburn.
O problema é que Chaney se misturou ao bando do escroque Ned Pepper e ruma de forma desconhecida pelas terras ermas do oeste americano.

Pois bem cara-pálida com o cenário armado para as balas começarem a rolar, a impressão que tive é que de forma assertiva e decidida o roteiro, dos também diretores Ethan e Joel, economiza tiros e despeja verborragia e sentimento, sarcasmo e lirismo, tudo planejado e bem esquadrinhado.

Nesse momento que senti o espírito dissonante de um road movie de cavalos começar a surgir. Primeiro que todas as personagens principais não pertencem ao lugar onde estão. Mattie, está longe de casa atrás do assassino de seu pai, Cogburn, como um U.S. Marshall, não tem moradia fixa, mas trabalhos a serem executados e LaBoeuf vêm desde o Texas perseguindo Chaney e colecionando fracassos.

Seus caminhos se cruzam e a amizade e os sentimentos desenvolvidos por eles acontecem em momentos de teste de caráter e perseverança “à caminho” de um objetivo - na estrada por assim dizer. É assim quando Mattie cruza o rio a cavalo, quando LaBoeuf demonstra bravura em uma tocaia, ou ainda quando Cogburn tenta provar seu valor atirando em broas de milho...

Ao dividirem uma fogueira, falarem sobre direito ou histórias de vida fica evidente as diferenças de caráter e personalidade do trio de protagonistas que não se encaixam em perfis de bondade/maldade convencionais e como a situação de “viajantes com um objetivo em comum” evidencia a união do grupo.

Mattie é sistemática, perspicaz e surpreendentemente madura para seus 14 anos, ao mesmo tempo seu caráter não é lá uma singeleza. Desde o início do filme ela exige vingança, o que significa a morte de Chaney. Perceba que ela faz questão que a morte seja fruto do crime cometido contra seu pai, para ela uma forca no Texas não torna sua vendeta válida.

Cogburn é um beberrão escolhido por Mattie pela sua falta de escrúpulos na hora de perseguir um foragido. Quase sempre bêbado ele parece mais um escroque falido que um pistoleiro experiente, apesar de ser ambos.

LaBoeuf é quase caricato, com suas esporas, alto grau de instrução e precisão cirúrgica com as armas, cabe a ele mostrar que no western de Bravura Indômita o “melhor” homem, não será necessariamente o mais eficiente. Apesar de ser mais jovem que Cogburn e claramente mais instruído que Mattie, LaBoeuf fica constantemente encurralado por ambos, perde as discussões para a garota e vê a bravura e experiência de Cogburn triunfarem aos poucos, enquanto a trilha que leva a Chaney é revelada.

Com tudo isso o filme encontra ainda espaço para tiradas sarcásticas sensacionais como as últimas palavras de um índio negadas na forca ou as crianças, também indígenas, sendo chutadas sem mais nem porquê.

O elenco está absurdo. Jeff Bridges entrega uma fala arrastada e quase ininteligível, pesadelo para os tradutores, que cumpre seu papel de parecer o tempo todo bêbado ou entorpecido. Steinfeld convence no papel de garota prodígio e é dela a força da narrativa que permite que as outras personagens flutuem ao redor de seu magnetismo. Dammon e Brolin são verossímeis na medida e cheios de detalhes mínimos que reforçam a credibilidade de seus papéis.

Talvez o destaque técnico mais assombrosamente visível seja a fotografia de Roger Deakins que dá ao filme momentos de um lirismo quase desconexo. A cena final merece um prêmio à parte pela emoção entregue ao público de forma catártica, com verdadeiro heroísmo como há muito não se via em um faroeste.

Junte a isso os rompantes de violência(subliminar ou direta) característicos da filmografia dos Cohen e terá um espécime diferente do original e de quase qualquer outra obra do gênero.

Sem descambar para o sentimentalismo barato, Cogburn encontra sim sua redenção em Mattie, assumindo um papel paternal no qual revela ter fracassado anteriormente. De volta recebe dela um tratamento filial, em uma das últimas cenas do filme, uma “viagem” de trem que espero que todos compreendam. Falar mais poderia estragar a diversão de quem ainda não assistiu.

E por falar em viagem, reforço aqui os argumentos iniciais. Nesse road movie adaptado, as seqüências que dão cor e textura ao filme acontecem entre uma parada e outra. Nos encontros pelo caminho com cadáveres presos em árvores, em cabanas isoladas, em desfiladeiros ou minas abandonadas. Não existe um ponto fixo, uma referência, só o caminho a ser seguido e a aventura que se desenvolve por ele.

“Telma e Louise” ou “Paris Texas”, “Easy Rider” ou “Rain Man”, nada pode ser feito quando o destino vivido na estrada exige seu espaço entre os atores e o roteiro. De carro ou à cavalo, em rodovias, no deserto ou no oeste selvagem o espírito é o mesmo.

As personagens caminham para o imprevisível à sua frente, se a morte ou a redenção as espera na próxima curva isso é uma resposta que só o público pode descobrir sem arcar com as conseqüências. Sabemos que se trata de um road movie quando nos perguntamos: E se as personagens parassem aqui, se sentassem, e interrompessem sua jornada e resolvessem seus problemas por aqui mesmo? E temos como resposta: Impossível, o filme terminaria sem final.

Para nossa sorte existem ainda seres de “Bravura Indômita” para seguirem seus caminhos enquanto assistimos.

Um triunfo cinematográfico cheio de estilo.

terça-feira, abril 05, 2011

Cinema Catástrofe




Significado de Catástrofe

s.f. Grande desgraça, acontecimento funesto, calamidade.
Fim lastimoso.
Literatura Acontecimento decisivo que leva ao final de uma tragédia.
(Do Gr. katastrophe)

Ligo a televisão após o jantar, dou boa noite religiosamente ao apresentador do telejornal e quando percebo parece que estou dentro de um filme. E daqueles bem ruins para suas personagens. Nos últimos meses de alguns anos para cá, terremotos na China, no Chile, Haiti, e em mais meia dúzia de cidades, chuvas e inundações matando milhares e atingindo milhões no meu país tropical, São Paulo até vá lá estamos acostumados, mas Salvador? “O sertão vai virar mar” diria Antônio Conselheiro. 

Ninguém se quer conhecia a palavra "Tsunami"... eu mesmo achava que era apenas algum fáctóide de mitologia nórdica, até acontecer no Japão.

Vulcão sem atividade a milhares de anos desperta, avião com presidente cai, morro desmorona, faltaram só naves alienígenas invadirem a Bulgária...

Espero a qualquer minuto minha solene apoplexia no sofá ser interrompida pelos créditos do filme com o nome do estúdio.

Quando o tema é catástrofe ninguém mais percebe a diferença entre ir ao cinema e abrir o jornal do dia. Saudade da época(recente) aonde os filmes desse gênero estavam mais para ficção do que para documentário.

Quem tem um pouco mais de 20 anos e sempre gostou da sétima arte, deve se lembrar que a semana de 4 de Julho de 1996 foi marcada por expectativa e filas nos cinemas pelo mundo. O dia da independência dos Estados Unidos marcou a história do cinema, e não adianta torcer o nariz para as bandeiras tremulando e a papagaiada ideológica(até no título !) que às vezes embrulha o estômago, porque “Independence Day”, de Rolland Emerich, foi o marco mais significativo da nova leva de filmes catástrofe que perduram até hoje.

O cinema sempre teve uma queda declarada pela tragédia, e quando digo isso não estou falando do significado grego antigo, ou os famosos dramalhões, mas da definição que hoje se emparelha ao de  hecatombe: Corpos se empilhando pela fragilidade humana de resistir a um poder superior e agressivo, geralmente uma força natural ou desconhecida.

Não é de agora que as produções de Hollywood flertam com terremotos, maremotos, vulcões, aviões em pane, transatlânticos afundando e praticamente qualquer coisa que ofereça muito, muito apelo melodramático. “Aeroporto” de George Seaton é considerado o primeiro exemplar genuíno do gênero que inaugurou uma longa lista, que só na década de 70, conta com: “Inferno na Torre” de John Gullemin e Irwin Allen, “O Destino de Poseidon” de Ronald Neame, “Terremoto” de Mark Robson, entre outros.

Os filmes catástrofe estouraram; literalmente... mas como um balão colorido e pomposo tiveram uma breve vida. Devido a inúmeras limitações técnicas que tornavam quase impossível a reprodução fidedigna da maior parte das desgraças que despontavam logo no título das produções o público perdeu o interesse, afinal não tinha graça ver um terremoto ruindo maquetes claramente de isopor...

Em 1996, algo novo estava preste a acontecer. Os efeitos especiais foram aperfeiçoados nas décadas de 70 e 80, sobretudo explorando os ambientes e mundos fantásticos da ficção científica e estavam à caminho de avançar sobre um novo desafio: tornar crível as maiores tragédias naturais e desconhecidas - de um cataclismo à uma invasão alienígena, chegando sorrateiramente pela porta da cozinha do cotidiano da dona de casa.

Méritos para os desbravadores.

Me lembro de como fiquei boquiaberto da primeira vez que assisti “Independence Day” e “Twister”(com a vaca voando). Não era nenhum tapado em cinema e mesmo assim tive a sensação de que não tinha visto nada parecido e que talvez nunca veria novamente...

Hoje com a monotonia da repetição a primeira leva de filmes catástrofe pós anos 90 que trouxe ainda “O Inferno de Dante”, “Armagedon”, “Godzilla” e “Impacto Profundo”, parece esquálida e sem graça, mas na época me lembro bem da sensação que era ver “aquele filme do vulcão”, “aquele outro do asteróide”, “aquele do lagarto do tamanho de prédios”...

Grosso modo, podemos dizer que tínhamos visto coisas muito mais fantásticas antes com “Guerra nas Estrelas” ou “2001 – uma Odisséia no Espaço” mas dessa vez o apelo ao público era diferente.

Os efeitos especiais tinham um propósito mais obscuro, o de trazer para a realidade o apocalipse, o fim da humanidade, a revolta da natureza... Quase nenhuma profecia do livro bíblico de São João foi esquecida para gerar mais e mais roteiros que de falas mesmo, eram ralos.

Pelo que observo atualmente, e fazendo uma auto-análise, os estúdios em breve estarão em maus lençóis. Há pelo menos 5 anos ignoro qualquer filme que destrua Nova York com profecias maias, pragas bíblicas, desequilíbrios solares, alienígenas, monstros e coisas do gênero.

Tomo conhecimento parcial e desinteressado por barcos à deriva, aviões em pane, vírus mortais e dramas em geral que incluem prédios e construções desabando, bombas explodindo, caos e terrorismo de milhares.

A cada ano a arrecadação dos “blockbusters catástrofe” despenca pelo mundo e nenhum produtor parece entender. O povão tá querendo ver super-heróis salvando o dia no final de semana(não sei até quando...).

A população está ficando cansada de tragédia de segunda à sexta-feira no noticiário, esta percebendo que aquele “papo” de que a natureza reage ao mau uso que fazemos do planeta é verdadeiro e que em breve teremos sim mais e mais problemas com fogo, ar, terra e água; seja em excesso ou escassez. Aviões caem, prédios desmoronam, navios afundam e ultimamente parecem mais propícios a obedecerem estas diretrizes. Faltam somente asteróides, monstros japoneses e extraterrestres.

Respondo boa noite ao fim do telejornal, mas dormir tranqüilo mesmo... Foi-se o tempo.



Argumentos Para Não Ler “O Monge e o Executivo”



"A constância de ânimo, com paz e tranqüilidade, não só enriquece a pessoa, como a ajuda muito a julgar melhor as adversidades, dando-lhes a solução conveniente." 

(São João da Cruz)

 “O Monge e o Executivo” surgiu em meu caminho de maneira diferente, não foi uma escolha, fui de certa forma forçado a ler a obra de James C. Hunter para auxiliar um amigo em uma pesquisa de faculdade.

Antes de ler o best-seller procurei algumas informações em críticas e resenhas espalhadas em publicações impressas e na Internet e a grande maioria apontava o livro como um achado. O preferido de milhares de anônimos no orkut , de algumas centenas de executivos de sucesso e de pelo menos meia dúzia de bilionários que dirigem grandes conglomerados financeiros. O mais lido em x países, líder de vendas no Brasil por y semanas, traduzido até para o malaio.

Parti para a leitura e dois dias foram suficientes para terminá-la - mas confesso que levei um tempo bem maior até conseguir digerir o conteúdo e formatar minha opinião a respeito.

Em um primeiro momento o livro parece ter uma clara definição de seu público alvo: Gerentes e administradores em posições de liderança que precisam diariamente se relacionar com um grande número de funcionários. Na prática a obra mostrou possuir um público mais abrangente e acabou fazendo um grande sucesso entre a massa de leitores convencionais que buscavam extrair das páginas do livro lições para o dia-a-dia ou ainda “receitas” de como se tornar um líder. Observe o disfarce.

A narrativa gira em torno das experiências do gerente-geral John Daily e de um grupo de pessoas de diferentes classes e personalidades em um retiro de uma semana no mosteiro São João da Cruz.

Durante a estada o monge Simeão, um ex-executivo de sucesso, tentará oferecer à todos lições sobre liderança e convivência. A partir desse momento tudo são atalhos. 

A figura de um monge e de um mosteiro são os superlativos implícitos para um professor e uma sala de aula, trazem noções de valores e sabedoria que seriam difíceis de traduzir ou levariam páginas demais para serem expostos. A sala é um conjunto limitado de personagens quase caricatas e sem profundidade que realizam de forma mecânica seus objetivos na narrativa. Alguns contrariam, alguns concordam e outros completam as lições que se estendem por aulas em seu formato clássico, descritas através de capítulos didáticos e diretos. O “antagonista” representado pela figura do Sargento Greg possui um comportamento “militar” estereotipado que beira o risível, cabe a ele discordar sempre para que a “aula” tenha seu andamento e que conceitos de liderança sejam apresentados sob a forma de palavras como: amor, autoridade, servidão, ambiente, paciência entre outras.

Perceba que o argumento de crescimento pessoal e profissional expressado no livro dá uma ênfase às questões emocionais das personagens. O conflito vivido pelo protagonista é de ordem familiar e não profissional e as “lições” do Monge para o Executivo giram em torno de adequar emoções, controlar sentimentos e corrigir falhas de relacionamento. Problemas que todos temos com soluções que podemos ao menos tentar.

De alguma forma fica implícito que seremos pessoas mais bem sucedidas financeiramente e atingiremos um patamar de liderança em nossa vida profissional se resolvermos primeiro nossos problemas pessoais e, sobretudo, de comportamento. Não que isso seja uma falácia, mas cai como uma meia verdade pouco sincera.

È óbvio que a sociedade não permite que todos sejam líderes, e sugerir que todos se comportem como tal é uma forma de oportunismo.

O resultado é o livro ideal para o patrão - que percebeu que é ótimo indicá-lo para seus subordinados. O funcionário se empenhará cada dia mais em seu emprego e mostrará iniciativa de um líder com um salário de plebeu, não reclamará, será dócil gentil e dedicado, buscará sua promoção através do merecimento de seu suor e de sua competência, gerando assim uma fábrica inteira de postulantes à um cargo que não está a disposição. Todos se imaginam o grande líder de amanhã.

Sou a favor do esclarecimento geral, apóio (quase) todo tipo de leitura, mas faço questão de desaprovar aquelas que causam retrocesso ou algum tipo de desilusão e desapontamento. Não custava esclarecer um pouco mais as coisas, delimitar melhor o público alvo, e ser sincero que a obra não resolverá nada sozinha na vida de ninguém. Não estou dizendo que o livro foi um caça-níqueis planejado, nem duvido aqui da idoneidade do autor, mas de boas intenções o inferno está cheio...

Em um país desigual como o Brasil, as mais de 700 mil cópias vendidas de “O Monge e o Executivo” podem gerar do dia para a noite meio milhão de cidadãos frustrados por não serem líderes seguindo sua receita, e tudo somente porque não compreenderam exatamente as mensagens do livro.

Portanto posso enumerar aqui argumentos diversos para não recomendar o livro, de sua construção ao seu conteúdo, mas na realidade o verdadeiro motivo é apenas um: é errado criar falsas esperanças.

domingo, abril 03, 2011

Bad Lands - Terra de Ninguém




Ser parecido com James Dean.

Este é o tema de Terra de Ninguém(Bad Lands), filme de 1973 do diretor Terrence Malick, - não confundir com o ótimo “No Man´s Land”, de 2001, que aqui no Brasil recebeu o mesmo nome.

Assombroso e distante, o filme nos apresenta o jovem casal de deliquentes juvenis Kit e Holly, vividos de forma fugaz por Martin Sheen e Sissy Spacek.


Sheen aos 30 e Spacek aos 24, estão críveis nos papéis de jovens de 25 e 15 anos, respectivamente encarnando o bad boy inconseqüente e a ninfeta fútil clássicos atraídos pelo destino.

A desilusão de uma geração toda transborda no niilismo furioso e adolescente que permeia a não razão dos atos extremos de um casal tão infantil quanto vazio.

Kit é o lixo da cidade. É dispensado do trabalho como lixeiro e representa uma geração desmotivada e sem perspectiva, sem ilusões de grandeza ou mesmo uma grande ideologia para seguir como norte. Não é o contraventor decidido é como uma criança que pisa em uma formiga por maldade pura e ingenuidade ao mesmo tempo. Conhecendo o ato, mas não a razão e o significado que contém Kit está armado e perigoso. Armado não de idéias, mas com pólvora e balas que são atiradas como se não fossem realmente capazes de matar.

Holly é uma bonequinha suburbana. Nos shortinhos brancos apertadinhos recém preenchidos com alguma carne, uma menina que se preocupa com os estudos, lê as revistas para adolescentes e espera uma paixão arrebatadora. Ao mesmo tempo é tão vazia que é capaz de fugir de casa só por não ter nada melhor para fazer e “inventar” uma paixão só para escrever a palavra amor em seu diário.

Eis uma sina e tanto para uma geração inteira de jovens que assombrou os Estados Unidos criando um colapso moral e de comportamento que minou a sociedade conservadora e quase ruiu seus alicerces familiares.

A vida vivida a beira do nonsense é retratada por Mallick através de cenas poderosas e da recorrência da morte. Um cachorro e um peixe moribundos dando seus últimos suspiros em imagens ou a citação do verbo “morrer” e “matar” até quando o assunto são galinhas e bois utilizados como alimento.

O “spring of kill” do casal em fuga é memorável - por vezes Kit afirma não sabe dizer por que deixou esse viver ou atirou naquele outro...

Nem a personagem que agoniza pergunta o que fez de errado. Apenas se conforma.

A casa construída na árvore, totalmente irreal e infantil, as cenas em um casarão e o roubo de um cadilac e um chapéu mostram as aspirações do subúrbio que vive o sonho americano. Crianças sonham com casas na árvore e adultos com cadilacs e mansões.

A relação entre Kit e Holly é tão fria quanto possível em um pacto selado a sangue. Apesar da adolescente se declarar apaixonada em seu diário lido em off o que vemos é uma relação sem arroubos de sentimento, algo ocasional e raso. Até o sexo se revela uma descoberta insossa...

Preocupantemente real.

O pesadelo de psicólogos, papais brutos e mamães amáveis, vestia jeans colado ao corpo, jaqueta e um inconfundível topete. Vestia saia rodada, fita no cabelo e lia fotnovelas. O absurdo da existência humana e do conviver em sociedade alça vôo para além de Sartre ou Camus e atinge a adolescência, uma fase raivosa cheia de energia para gastar. James Dean.

Para encerrar o quadro magnífico do cenário norte americano de toda uma época  Mallick mostra a prisão de Kit como algo glorioso e redentor. Os policiais, que representam a lei e teoricamente a sociedade americana, não condenam Kit, mas mostram certa idolatria orgulhosa em meios sorrisos e atos de admiração. “Um pente pra você colega!”


O estereótipo da felicidade do “American Way of Life” começou a ser destruído muito antes de Lester Burhan abrir a porta de sua “vida às vésperas da morte” em “Beleza Americana”. A família bem sucedida e realizada por fora e embolorada por dentro em suas relações dava as caras em muitas versões e gerações, dentre elas nos pais que não conseguiam segurar em seus lares os casais jovens que poderiam surtar e cruzar o estado atirando e cometendo crimes que beiram a imbecilidade.

"Terra de Ninguém" é assim, como um retrato, com um toque onírico e fantástico majestosamente orquestrado por Mallick. Parecem fotos em slide e não necessariamente cenas em movimento. As terras ermas de "Bad Lands"  são jovens sem futuro. Um filme sobre um tempo e sobre um ícone.

Hipocrisia: Todos amam James Dean, mas sua morte é necessária.




domingo, março 27, 2011

Julieta Venegas


Porque no supiste entender a mi corazón?
Lo que había en él, porque no?
Tuviste el valor de ver quien soy
Porque no escuchas lo que está tan cerca de ti?
Sólo el ruido de afuera y yo
Que estoy a un lado desaparezco para ti
No voy a llorar y decir que no merezco esto
Porque es probable que lo merezco
Pero no lo quiero
Por eso Me voy
Que lástima pero adiós
Me despido de ti y me voy
Que lástima pero adiós
Me despido de ti


(Me Voy - Julieta Venegas)

Julieta é um nome que carrega consigo um apelo mundial. Nenhuma Julieta nasce anônima ou desconhecida. Nenhuma tem o direito de apartar de sua vida o amor, a tragédia e o lirismo. Se o mundo não fosse tão grande e tão cheio de pessoas esquisitas diria que todas Julietas sem nenhuma exceção já deveriam nascer destinadas a viver um grande amor. Não existiriam Julietas solteironas, celibatárias, feministas ou adeptas de qualquer ideologia anti-amor; essas morreriam no parto antes de exercer seu direito de escolha que as privassem de executar seu destino de protagonistas na tragédia maior do teatro do mundo.

Julieta Venegas surgiu assim para mim. Protegida pelo desconhecimento, mas não pelo anonimato. Como uma personagem de Shakespeare que cantasse de forma adocicada palavras de amor em espanhol, caiu em meu player um álbum seu.
Não conhecia. Não sabia que era Californiana criada no México. Que tinha uma irmã gêmea. Que era filha de fotógrafos. Que gravou com Marisa Monte e Lenine.  Que cursou teatro. Que às vezes envereda para o pop rock. Que já venceu o Grammy latino. Que já tinha um álbum MTV Unplugged. Que já vendeu mais de 5 milhões de discos pelo mundo.

E na verdade nada disso importava. De sua música e voz surgiram impressões próprias de Julietas. Extremadas.

Às vezes acho que fugiria com ela para Tihuana em um lampejo de loucura. Isso se uma mulher linda de 40 anos como ela me aceitasse é claro.

Outras vezes acho que ela nada mais é do que uma artista medíocre, com um repertório meloso e uma voz afinada. Nem tão bonita assim e mais de dez anos mais velha que eu...

Às vezes acho que quando sua boca se abre jorra lirismo, poesia e amor. Outras vezes acho que saem músicas bregas e datadas.

Não sei, mas fiquei cismado com esta Julieta. Mais do que com muitas outras.

Faz parte. Todos temos um lado que se impressiona fácil quando uma mulher canta palavras de amor. Mulheres se emocionam com as palavras, homens não resistem a situação...

Algo tão antigo quanto a lenda das sereias que arrastavam para o fundo do mar(e para a morte) marinheiros encantados com suas vozes e beleza.

Dias sim, dias nem tanto escuto Julieta Venegas. Hoje decidi escrever sobre ela e postar aqui. Amanhã posso estar arrependido de dar a ela este espaço e querer deletar o post.

Relações passionais como uma dose de cicuta e um punhal de amor no peito. Coisas de Julietas.




 
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